segunda-feira, 16 de julho de 2012

Lua Nova em Caranguejo



Este mês a Lua Nova ocorrerá no dia 19 e no grau 27 do signo de Caranguejo/Câncer, onde o sol está até dia 21.

A lua é o regente do signo de Caranguejo, encontrando-se aí na sua própria casa, onde se pode expressar sem constrangimentos e revelar a sua natureza fundamental. A natureza lunar é fortemente emocional, tendencialmente dependente, apegada, afectuosa, criativa, sensível (até ao excesso), centrada no lar, filhos, família e passado, e carente de intimidade e segurança material e emocional. No signo de Caranguejo aprendemos o significado do serviço ao próximo no seu aspecto feminino, o de cuidar, nutrir e confortar. Aqui se faz de uma casa um lar e de um grupo de pessoas uma família. Sob a influência da lua, tudo o que está em potência – seja um bebé, uma planta em rebento, ou um projecto profissional – é sustentado e gentilmente conduzido à realização.

O elemento da lua (e do signo de Caranguejo) é a água. Tal como os outros elementos, a água tem características muito específicas, todas essencialmente femininas e duais. A sua fluidez evoca uma forma suave, graciosa e intuitiva de viver, mas capaz de se tornar caótica e violenta em certas circunstâncias; o seu poder, tal como o das deusas irmãs Kali (a destruidora) e Ganga (a dadora de vida) da mitologia hindu, é tão criativo como aniquilador. A delicadeza de uma gota deslizando pode escavar uma rocha ou corroer o metal, provando o poder aparentemente paradoxal da constância (aquilo que se mantém) e do tempo (aquilo que muda), e a força intrínseca de tudo o que é aparentemente fraco. É portanto um símbolo universal da mutabilidade e da transformação, estando isto também ligado à sua capacidade de limpar o que está sujo através do método da dissolução, a segunda operação principal da alquimia. Ao nível da psique, a água representa o inconsciente, a estrutura feminina e não-racional da mente onde as emoções são purificadas dos seus elementos inferiores. Também o jogo entre superfície e profundidade do oceano evoca a relação entre o consciente e o inconsciente, atingindo-se este último através do mergulho na fria escuridão das suas águas, cujo conhecimento equivale ao domínio de um imenso potencial de energia. Este potencial desconhecido é associado com tudo o que é oculto, profundo, escuro e misterioso, como a magia ou o sonho.

Carta do baralho de tarot Symbolon, por Ingrid Zinnel, Peter Orban e Thea WellerA combinação do sol e da lua em Caranguejo conduz-nos ao mergulho nas águas profundas do inconsciente, onde residem a intuição, o sonho, a memória e a criatividade. Por sua vez, a fase da Lua Nova ou Negra permite trazer ao consciente o conteúdo oculto do inconsciente, de forma a resolver a divisão da psique humana. Durante uma Lua Nova o sol ilumina a face escondida da lua, que representa as sombras ou os aspectos recalcados do nosso ser integral. Assim, embora qualquer lua em Caranguejo vá activar o arquétipo da mãe amorosa e protectora, a fase Negra revela sobretudo as áreas da vida onde este arquétipo está ausente, ou onde é necessário reforçar a sua acção.

Uma Lua Nova em Caranguejo desperta a necessidade de nos sentirmos “em casa” em todas as áreas da vida, e de nos sentirmos apoiados e seguros. Se estivermos desterrados, sós ou vulneráveis em qualquer aspecto, esses sentimentos (que podem ser muito antigos) virão à superfície, obrigando-nos a procurar o nosso lugar no mundo – o que muitas vezes se traduz na necessidade de confirmar o espaço que realmente ocupamos na vida daqueles que nos rodeiam. A impossibilidade de o fazer, ou o não-reconhecimento desta urgência, pode despertar no nosso corpo e psique sintomas de desconforto bem reais.

Por outro lado, nestes dias encontramos com mais facilidade a nossa natureza maternal e amorosa, e somos mais capazes de zelar por tudo aquilo que está em estado nascente na nossa vida. Isto funciona igualmente num sentido global: na fase de influência da Lua Nova em Caranguejo sentimos de forma premente a necessidade de cuidar e proteger quem depende de nós e o planeta no qual vivemos.

No que respeita ao cenário cósmico que enquadra esta Lua Nova, é importante saber que o astro faz uma quadratura (aspecto algo tenso, relacionado com bloqueios e obstáculos) com o planeta Saturno, o regente da ordem, das estruturas, das fronteiras ou limites, da disciplina e do método, das restrições e da demora/paciência. Saturno está em Balança, onde se encontra exaltado, o que significa que as suas qualidades naturais estão amplificadas. Quando a necessidade canceriana de se “sentir em casa”, de pertencer a um grupo e de ser recebido e acarinhado se encontra com a necessidade saturnina de definir limites e estruturar situações, podem surgir questões ligadas com a busca de segurança emocional junto dos outros, ou de alguém particularmente significante na nossa vida. Embora isto possa traduzir-se numa tendência para a consolidação e estruturação de relacionamentos, o aspecto tenso do encontro torna mais provável a confrontação com os obstáculos que nos mantêm afastados do ideal canceriano da segurança emocional. Uma vez que a lua e o signo de Caranguejo também governam a infância, a família e a memória (inclusivamente a memória genética), podermos descobrir que as dúvidas em relação ao lugar que ocupamos no mundo e no coração dos outros e à satisfação das nossas mais profundas necessidades emocionais resultam já de traumas antigos. Se for este o caso, esta é uma boa altura para tentar compreender melhor como as questões não resolvidas do passado nos afectam no presente.

Esta é também a altura adequada para expressar necessidades emocionais, embora convenha fazê-lo tendo em conta que Marte, o senhor dos conflitos, também está em Balança, tal como Saturno, e faz uma quadratura com o explosivo Plutão. Veremos testada a nossa capacidade de negociar relacionamentos pessoais e necessidades afectivas de forma assertiva, mas sem agressividade nem lutas de poder. Balança exige que sejamos justos na forma como lidamos com os outros, e favorece relações de equilíbrio, sem vencedores nem vencidos. A sua tranquila imparcialidade vem amenizar a emotividade da lua em Caranguejo, desde que não nos deixemos levar pela combatividade de Marte e pela impetuosidade de Plutão. Saturno em Balança reforça por sua vez a exigência de maturidade nos relacionamentos, confrontando-nos com a importância de sermos parceiros de confiança nas parcerias que estabelecemos.

Nesta Lua Nova, devemos estar atentos aos seguintes temas: as nossas necessidades emocionais, a forma como nos sentimos integrados e recebidos pelos nossos pares, o sentimento de pertença a um grupo, aquilo que nos faz sentir “em casa”, o relacionamento com os nossos pais e os nossos filhos, o relacionamento entre a nossa “criança interior” e a nossa “mãe interior”, a relação com a casa, a terra onde vivemos, as nossas propriedades materiais e o próprio planeta, os temas da insegurança emocional e material/financeira, a relação com a família, a capacidade de zelar pelo nosso bem-estar e pelo bem-estar dos que nos rodeiam, a expressão criativa, a capacidade de gerar e desenvolver projectos novos, o equilíbrio entre dar e receber, a importância de ser justo e razoável nas parcerias, e a capacidade de gerir harmoniosamente os conflitos pessoais.

Os riscos que corremos estão relacionados com os traços negativos de Caranguejo e da lua, particularmente a instabilidade emocional, o sentimentalismo, a hiper-sensibilidade, a irracionalidade, o ciúme desregrado e a auto-indulgência (incluindo o abuso de substâncias que promovem a fuga à realidade). É ainda necessário ter em conta as influências de Marte e Plutão, que podem transformar a assertividade em agressividade, particularmente nas áreas onde encontramos as limitações impostas por Saturno à nossa necessidade de segurança.

Como sempre, os dias seguintes à Lua Negra devem ser dedicados aos novos começos. É a altura perfeita para iniciar projectos e tomar decisões que promovam a transformação da nossa consciência e da nossa vida. É o momento de deitar novas sementes à terra, de renovar e regenerar aquilo que está enfraquecido, de nos livrarmos de um vício ou mau hábito, de mudarmos algo em nós ou no quotidiano, de fazer planos para o futuro.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Do amor de si ao Amor universal



Segundo o Antigo Testamento, Moisés recebeu as duas Tábuas da Lei com os Dez Mandamentos de Deus no sopé do Monte Sinai. O décimo primeiro mandamento foi dado por Cristo, e é enunciado desta forma: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. E esta é provavelmente a frase curta que menos pessoas conseguem ler até ao fim.

Amar ao próximo soa nobre, generoso, digno de louvor. Amá-lo como a nós mesmos significa desejar para ele o que queremos para nós, e também isto parece correcto e louvável. Mas é verdadeiramente disto que fala Cristo, e com ele todos os grandes mestres da humanidade? Podemos realmente ver o significado mais profundo desta frase simples e lapidar – que o amor ao outro parte do amor por nós próprios, e que sem este o movimento do coração em direcção ao “próximo” é impossível?

Falar no amor de si resulta sempre em duas formas de (in) compreensão: ou nos referimos ao “amor-próprio”, na acepção positiva que lhe dá a psicologia moderna, ou nos referimos a uma atitude egocêntrica e patológica. O amor-próprio é a auto-estima dos psicólogos, que diversas abordagens psicoterapêuticas pretendem reforçar. Este trabalho feito ao nível da psique, ainda que possa ajudar grandemente alguns pacientes, é na realidade um reforço das estruturas do ego, como se pode ver facilmente através do jargão utilizado: auto-expressão, auto-afirmação, auto-realização, e até “egoísmo positivo”. Fora deste contexto psicoterapêutico, prevalece a noção de que amar-se a si próprio antes de tudo é uma atitude basicamente egocêntrica, ou no mínimo com uma validade espiritual muito inferior ao caminho do amor ao próximo.

Mas o caminho é um só, e amar-se a si próprio antes de tudo não é o mesmo que amar-se a si próprio acima de tudo. O caminho principia com o amor de si (oposto do egocentrismo e da vaidade) e culmina no amor dos outros (Arnaud Desjardins). E a explicação para isto é muito simples. O amor verdadeiro é uma dádiva integral; não é um empréstimo, não é retomável, não cobra juros e não se dá pela metade. Amar não é para todos. Só pode amar quem tiver amor disponível e em abundância, para dar sem ter de pedir de volta e sem precisar de nada em troca. Só os ricos em amor podem amar. Os restantes – quase todos nós – são indigentes do amor, pobres mendigos que morreriam se dessem a sua única, preciosa migalha ao próximo. Somos buracos negros do amor, que sugamos a toda a volta. A nossa taça nunca está cheia, e portanto nunca transborda.

O amor de si é o primeiro acto de amor verdadeiro possível a um ser humano. “Amamos” os outros porque precisamos deles desesperadamente – filhos, pais, amigos ou amantes. Mas eles também não possuem amor para dar; quando muito poderão emprestá-lo, geralmente a juros, para tomá-lo de volta um dia. A única solução, que alguns têm a ventura de encontrar após muitas mágoas, é voltarmo-nos para o único ser que, de uma forma ou de outra, nunca nos abandonará: nós mesmos. A fonte do amor e da compaixão não está em nenhum lugar exterior.

Ama-te a ti mesmo para amares os outros (Thich Nhat Hanh). Amarmo-nos, com um amor verdadeiro, não é uma forma de egoísmo. Amarmo-nos é assumirmos a responsabilidade de encher a nossa própria taça, tanto que ela transborde, tanto que possamos enfim dar. Se o nosso corpo precisa de um pão para sobreviver, morremos se o dermos. Só o podemos dar se tivermos dois. Ainda que existam momentos nos quais se justifica que nos sacrifiquemos pelos outros, no dia-a-dia a nossa maior responsabilidade é para connosco; não por egoísmo, mas por dever, primeiro, e por amor, mais tarde. Porque cada um de nós é ao mesmo tempo o cuidado e o cuidador. Cada um de nós é o ser pelo qual somos plenamente responsáveis. E não somos plenamente responsáveis por mais ninguém – nem mesmo pelo filho recém-nascido que embalamos nas madrugadas. Também este é senhor do seu destino individual.

Ama o teu próximo como a ti mesmo. A dolorosa falta de amor do mundo não tem outra raiz senão a imensa falta de amor por nós mesmos. O sofrimento que nos causa a incapacidade de amar, muito mais profundo do que a carência de ser amado, só tem remédio no movimento que nos conduz em direcção a nós mesmos, e na total aceitação de quem somos. Este movimento interno que urge fazer, longe de ser egoísta, é a nossa única salvação. Quem se pergunta, às vezes de forma tão angustiada, como fazer para amar o seu próximo, tem aqui a sua primeira resposta. Amarás o teu filho quando tiveres embalado no teu coração a criança que foste; amarás a tua mulher quando tiveres honrado o homem que és; amarás o próximo quando te amares a ti mesmo.

É da condição humana que o amor por si desponte, tantas vezes, do sofrimento. Quem nunca se testou não se conhece, e quem não se conhece não se pode amar. Na verdade, o primeiro passo para o amor de si é em direcção ao conhecimento de si. Possa eu conhecer-Te, possa eu conhecer-me (Santo Agostinho). Ora, conhecer é estar de olhos abertos diante da verdade. É enfrentar as ilusões, as fantasias, os preconceitos, os “maus” sentimentos, o desamor, as sombras que existem em todos os seres humanos, e reconhecê-las por aquilo que são – uma parte de nós. Este é o caminho da honestidade, o único que abre as portas ao amor de si, e que nos levará a compreender o que significa amar o próximo como a nós mesmos: que nós e o próximo somos um.