terça-feira, 24 de abril de 2012

Vénus entre o Amor e a Guerra


A Estrela, Tarot de Oswald Wirth
O brilhante planeta Vénus pode aparecer-nos como Estrela da Manhã (surgindo no céu matinal antes do nascer do Sol) ou como estrela vespertina (junto do Sol quando este se põe). Após uma conjunção inferior (quando está entre a Terra e o Sol, em movimento aparentemente retrógrado), Vénus emerge como estrela matutina, voltando ao movimento directo durante 263 dias; depois, viaja por detrás do Sol durante 50 dias, executa uma conjunção superior (quando está escondida pelo Sol) e surge como estrela da tarde, permanecendo assim por outros 263 dias. Desaparece então durante cerca de uma semana, enquanto passa diante do Sol, cujo brilho a oculta, e repete todo o ciclo.

Vénus é avistada desde o final do ano passado como estrela vespertina, mas a 15 de maio deste ano iniciará o seu movimento retrógrado (em Gémeos) para atravessar a face do Sol a 6 de junho, diante dos “cornos do Touro”, a constelação onde reingressa antes de voltar ao movimento directo. A partir de meados de Maio será novamente avistada como Estrela da Manhã, e assim irá permanecer até Fevereiro de 2013.

Esta alternância entre o seu aspecto nocturno e o seu aspecto diurno confere ao planeta uma simbólica ambígua, presente na mitologia de diversas civilizações antigas. Vénus foi associada tanto a divindades femininas, como Ísis, Ishtar/Astarte, ou até à Virgem Maria (Estrela da manhã, rogai por nós), como a potestades masculinas.

Na Babilónia, a mudança de posição de Vénus nos céus era vista como um sinal de alteração do seu género, causador de transformações também no mundo (em tais momentos os senhores podiam ser derrubados pelos seus servos). Em toda a Mesopotâmia, a Estrela da Manhã era considerada masculina pela sua associação com a luz, o fogo, o poder, a guerra e as armas (recordando o papel de Ishtar como deusa guerreira), o relâmpago, o dia e o anúncio do Sol, que simbolizava a capacidade de guiar os homens e os espíritos. Vénus, planeta que possui fases semelhantes às da Lua e portanto também exibe um crescente – que é visível, em condições ideais, a olho nu – era também o Touro Celestial da epopeia de Gilgamesh, enviado pela própria Isthar, símbolo da virilidade no reino animal. Já a estrela vespertina era feminina, associada à noite e ao amor, à fertilidade e aos seus mistérios, à velhice, à morte e ao mundo do Além.

Também um hino a Nana ou Innana, manifestação de Isthar, explica que a deusa é sempre a mesma, embora assuma diversas formas:

Inanna … Eu sou a mesma, a sábia filha de Sin, a irmã amada de Shamash [o Sol], eu sou ponderosa em Borsippa, sou prostituta sagrada em Uruk, tenho seios pesados em Daduni, tenho uma barba na Babilónia, mas sou sempre Nana[1].

A “Vénus com barba”, diversas vezes referida em textos antigos, era adorada no Chipre na forma de Afrodito. Num comentário à Eneida de Virgílio, o gramático romano Maurus Servius Honoratus (século IV) afirma:

Existe também no Chipre a estátua de uma Vénus barbuda, com corpo e vestuário de mulher, [mas] com um ceptro e genitais de homem, a que chamam de Afrodito, e à qual os homens prestam culto em trajes femininos, e as mulheres em trajes masculinos.

Estátua de Afrodito
O culto a este Afrodito antecede a figura mítica de Hermafrodito, filho de Hermes (Mercúrio) e de Afrodite (Vénus), divindade menor que possuía seios femininos e genitais masculinos. Curiosamente, o planeta Mercúrio também pode aparecer no céu de manhã ou à noite, embora de forma muito mais discreta que Vénus, e a mesma duplicidade de género da deusa era-lhe atribuída em muitos textos antigos.

Esta duplicidade, que na linguagem astrológica transparece na dupla regência de Vénus, governando a atracção, os relacionamentos, a arte, a beleza, a fecundidade e a prosperidade, mas também as vitórias militares e até a virilidade, pode estar na origem da figura de Eros ou Cupido, o Desejo, um jovem sexualmente maduro (só mais tarde representado como criança) e tido como filho da deusa, cujas setas inflamavam a paixão nos homens. Estas setas serão ainda resquícios daquelas que, lançadas pelos soldados nas batalhas, pertenciam ao domínio das divindades guerreiras relacionadas com a Estrela da Manhã. 

Vénus, também equivalente ao deus Quetzalcoatl, a Serpente Emplumada dos Maias, é ainda hoje uma divindade masculina na Índia – Shukra, O Brilhante, conhecido como preceptor dos demónios, aos quais atrai em direcção à Verdade. No Ocidente este planeta é Lúcifer, o Portador da Luz (do latim Lux fero), a Estrela ou Luz da Manhã citada na Bíblia, que simboliza o Rei da Babilónia e o poderio sobre as nações do mundo. Em Isaías 14:12-15, texto em cuja tradução latina (Vulgata) figura o próprio nome de Lúcifer no lugar da “estrela da manhã”, o profeta parece referir-se à posição matutina do planeta antes do Sol, considerada na antiguidade como um sinal de orgulho ou arrogância (hubris) e castigada com a “queda” do astro na fase vespertina, equivalendo à lamentação de Lúcifer como Anjo Caído (a partir de então identificado com Satanás):

Como caíste dos céus, estrela da manhã, filho da aurora? Como foste abatido por terra,ó dominador das nações? Tu que dizias no teu coração: ‘Subirei aos céus, estabelecerei o meu trono acima das estrelas de Deus, sentar-me-ei na montanha da As­sembleia, na extremidade do céu; subirei acima das nuvens e serei semelhante ao Altíssimo’. Infeliz! Foste precipitado no abismo, no mais profundo do mundo dos mortos!

O carácter dúplice do astro, com uma face masculina e outra feminina, uma benévola e uma maléfica, uma diurna e luminosa e outra nocturna e sombria, reflecte-se também na leitura de uma carta astrológica. Aqueles que nasceram sob uma Vénus matutina (localizada no mapa antes do Sol) têm qualidades venusianas que se expressam de forma positiva e assertiva, enquanto uma Vénus vespertina se expressa de forma mais passiva, embora acentuadamente magnética. Num mapa onde Vénus é a Estrela da Manhã, antecedendo a posição do Sol, os desejos podem ser tão fortes que dominam a pessoa, ou permitem o seu domínio por outros, sendo muitas vezes forçoso encarar as consequências das paixões exacerbadas. Tratando-se da estrela vespertina, as qualidades solares saem vencedoras, e a vontade pode ser usada para dominar e orientar os impulsos venusianos. A tendência aqui é para a sua purificação.

Innana na sua forma masculina, 
com dois touros
De resto, os astrólogos reconhecem a dupla energia do planeta, ainda que o tenham por exclusivamente feminino. É sabido que um trânsito de Vénus não traz sempre harmonia, e que existe uma faceta violenta e “marcial” ao seu alcance. De certa forma, Vénus tem semelhanças com Kali, aspecto feminino de Shiva, senhora da sexualidade e da morte, criadora e destruidora de toda a vida. Por vezes é quase inocente, doce, sedutora e encantadora. Porém, rejeitada, desprezada ou dominada pela paixão, como no encontro com Adónis, Vénus é dominadora, agressivamente sensual, e até vingativa e destruidora. Também ela senhora do amor e da morte, equivale da mesma forma a Inanna, guerreira e prostituta, que sabia unir a agressividade masculina à feminilidade capaz de encontrar e despertar o “ponto mais fraco” do oponente. O seu comportamento pode ser violento, selvagem e erótico, ou pesaroso e contrito.

Mas talvez esta dualidade seja aquilo que permite a Vénus governar os relacionamentos, particularmente aqueles nos quais está mais presente a dualidade dos pólos opostos. São estes, afinal, que se separam na guerra e se unem no amor.


[1] Erica REINER, A Sumero-Akkadian Hymn to Nana, Journal of Near Eastern Studies, 33, 1975

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O Touro, o Sol e a Lua (Lua Nova de Abril)

Hathor com o disco solar
Na passada sexta-feira, dia 13 de Abril, Marte regressou ao movimento directo no signo de Leão, que ocupa há cinco meses e onde permanecerá ainda até 21 de Junho. Terminou assim o longo período retrógrado deste planeta, iniciado em Janeiro, e cujos efeitos se farão ainda sentir de alguma forma até 19 de Junho, data na qual regressa ao ponto onde estava quando inverteu a marcha (23o de Virgem). Aqueles com signos mutáveis (Gémeos, Virgem, Sagitário ou Peixes) em pontos estratégicos da carta natal terão sentido mais fortemente esta fase na qual os arquétipos de Marte se projectam de forma particularmente insistente na nossa psique, ao mesmo tempo que vemos a sua energia reprimida ou enfraquecida na nossa vida diária. O movimento retrógrado de Marte, sob o domínio do ardente deus da guerra, veio reduzir a nossa energia física e motivação, a capacidade de encetar e desenvolver esforços, de perseguir paixões e desejos, de ser assertivo e impulsivo. O entusiasmo e a energia marcianos regressarão lentamente à nossa vida a partir de agora, embora ainda seja necessário esperar que Saturno retome a sua marcha directa para que os ritmos regressem à normalidade.
Mas para já, podemos esperar com entusiasmo a Lua Nova, ou encontro do Sol e da Lua, que ocorre este mês às 8.18h de sábado, dia 21 de Abril, hora de Lisboa. Terminado o ciclo lunar anterior, definido pela Lua Nova em Carneiro de 22 de Março, principia o ciclo da Lua Nova em Touro. É a altura perfeita para iniciar projectos, tomar decisões, e reproduzir a atitude e o entusiasmo que sentimos de forma geral a 1 de Janeiro, diante de um novo ano. A energia destes dias é criativa, audaz e focada, e pode ser canalizada para uma verdadeira transformação da nossa consciência e da nossa vida. É o momento certo para deitar novas sementes à terra, tanto em sentido figurado como literal.
De forma geral, a Lua Nova permite “recarregar baterias” para o mês que se segue. Sendo uma altura propícia à interiorização (quando a Lua se apresenta escondida e “voltada para dentro”, e não para a acção no mundo), podemos deparar-nos com aspectos ocultos do nosso inconsciente, medos, dores ou pulsões recalcadas que procuram a luz. Estamos mais perto de tomar consciência dos padrões emocionais que nos dominam, e o abismo entre o consciente e o inconsciente esbate-se. Sendo um momento no qual os opostos se equilibram (Sol e Lua, feminino e masculino, razão e emoção, etc.), podemos sentir igualmente uma tendência para o equilíbrio nas nossas vidas, psiques e corpos. As interacções com o mundo podem tornar-se também mais harmoniosas, e é natural que isto seja particularmente sentido entre polaridades opostas, como acontece num casal. Também as barreiras entre o Eu e o Outro se diluem, e podemos ficar mais atentos e sensíveis aos que nos rodeiam.
No entanto, a Lua Nova também pode ser uma altura difícil e dolorosa, quando a nossa sensibilidade está no auge. Se voltarmos ao tema da harmonização dos opostos, talvez possamos entender melhor esta questão. Quando as nossas tendências se extremam, retornar ao equilíbrio exige um impulso forte no sentido contrário, e esse impulso terá como consequência imediata uma sensação de mal-estar e vulnerabilidade. Será melhor aceitar, mais uma vez, aquilo que sentimos, permitindo que seja iluminado pelo Sol da consciência, e não lutar contra a natural correcção dos desequilíbrios.
De qualquer forma, esta Lua Nova ocorre com aspectos muito favoráveis. A conjunção entre o Sol e a Lua, no primeiro grau de Touro, forma um triângulo com Marte em Virgem e Plutão em Capricórnio, unindo três signos do elemento terra. Recebe ainda influências favoráveis de Neptuno em Peixes e de Saturno exaltado em Libra (Balança). É um magnífico encontro da criatividade (Sol) com a emotividade (Lua), a imaginação (Peixes), os prazeres sensíveis e artísticos (Touro) e o amor e a beleza (Libra). Virgem e Capricórnio garantem método e capacidades práticas a todo este imenso potencial criativo.
O Sol em Touro é sensual, materialista e prático, enquanto a Lua em Touro é romântica e instintiva. O seu encontro corresponde a um despertar de todos os sentidos, e ao desejo de desfrutar dos “prazeres simples” da vida: amigos, relacionamentos, boa música, boa comida, a natureza e a beleza no geral. Embora o risco deste signo seja o de exagerar na busca de satisfação e posses materiais, é sempre verdade que a beleza, a alegria e o encantamento com as formas do mundo também têm o poder de nos inspirar e transportar a esferas superiores da consciência. Touro pode ajudar-nos a materializar o espírito, desde que saibamos resistir aos excessos da matéria e dos sentidos. Neste contexto, esta é também uma boa ocasião para reavaliar a nossa relação com os bens materiais e o nosso sentido de posse, mesmo em relação àqueles que nos rodeiam.
Tenhamos portanto um fim-de-semana cheio de beleza e romance, aproveitando a autêntica “festa dos sentidos” que é a época primaveril, e desfrutando da presença dos outros e de tudo que está disponível para nós com prazer e reconhecimento. 

terça-feira, 17 de abril de 2012

Tenho fases, como a Lua - a Lua Nova

Margarida Cepêda, Lua Nova
O Sol é o seu pai, a Lua a sua mãe; o vento embalou-o no seu ventre, a Terra foi a sua ama (Tábua de Esmeralda, Hermes Trismegistos)

Aguardamos nestes dias a Lua Nova ou Negra, a “boda alquímica” que acontece no momento da conjunção das duas grandes luminárias, quando a Lua está perfeitamente alinhada entre a Terra e o Sol. A verdadeira Lua Negra (a expressão “Lua Nova” deveria ser usada apenas para o surgimento do primeiro crescente lunar após a Lua Negra) dura apenas o breve momento da conjunção, que é único, e ocorre este mês às 8.18h de sábado, dia 21 de Abril, hora de Lisboa (embora o período de invisibilidade do astro aos nossos olhos possa prolongar-se até três dias).
Yin-Yang
Toda a manifestação é dual, formada pela eterna dança dos princípios masculino e feminino. Mas a origem da manifestação é unitária e não-polarizada, e a nostalgia deste estado de perfeita completude existe tanto na mais densa matéria como na mais subtil forma de consciência. A manifestação busca continuamente o regresso à Unidade e a transcendência da dualidade.
Uma Lua Negra é um momento extraordinário em si mesmo, simbolizando justamente o casamento cósmico do masculino e do feminino. A fusão da energia activa e ígnea do Sol com a energia receptiva e húmida da Lua constitui aquilo a que os alquimistas chamavam de união perfeita de fogo e água, secura e humidade, calor e frio, volátil e fixo, ouro e prata, vermelho e branco, espírito e alma, rei e rainha. Este momento sagrado repete-se a cada 28 dias, dando-nos mais uma possibilidade de vivenciar o estado de equilíbrio perfeito da Natureza – mesmo que, mês após mês, estejamos inconscientes da Graça periodicamente derramada sobre a Terra e sobre todos os seres que a habitam.
Rosarium philosophorum (1550)
Mas o Mysterium Coniunctionis (na expressão de C. G. Jung) não é apenas simbólico, actuando dentro de cada um de nós através dos arquétipos que regem o nosso inconsciente. O encontro sagrado das duas polaridades pode transformar realmente a nossa existência, particularmente no que respeita à união do Consciente (solar) e do Inconsciente (lunar), talvez a mais importante para o ser humano. De facto, o trabalho fundamental de uma vida, ainda que frequentemente ignorado, é trazer ao consciente o conteúdo oculto do inconsciente sombrio, para que não haja mais separação entre ambos, nem divisão na psique humana. Para o conseguir, é forçoso iluminar as nossas sombras, vendo-as e aceitando-as tal como são, e aceitando a dor e o medo deste processo. Tal aceitação equivale ao Sol, que sobre tudo derrama a sua luz e o seu calor, sem fazer distinções. Assim o Sol se encontra com a face negra da Lua.
Em muitas tradições se considera que a Lua Negra está enfraquecida, por não receber luz. Porém, lembremo-nos que a Lua Negra é fortemente iluminada na sua face escondida, e apenas a metade voltada para a Terra está escura. Isto significa que a sua força não é dirigida para a acção e para a manifestação neste mundo, mas reside na sua capacidade de interiorização e na sua viragem para a Luz cósmica. Tradicionalmente, a noite anterior a uma Lua Negra é a mais poderosa do ciclo. O desaparecimento total da luz é de facto um momento crucial para a Vida, quando todos os seres criados estão suspensos do seu regresso. Sexta-feira, dia 20 de Abril, será portanto uma noite propícia à introspecção, à meditação e à oração. Quem desejar acompanhar mais intimamente este momento pode fazer um pequeno jejum, aproveitando a energia lunar voltada para os processos interiores e para a purificação de todos os níveis do Ser.
Pelo contrário, os dias seguintes à Lua Negra – os dias da Lua Nova – são dedicados aos novos começos. É a altura perfeita para iniciar projectos, tomar decisões, e reproduzir a atitude e o entusiasmo que sentimos de forma geral a 1 de Janeiro, diante de um novo ano. A energia destes dias é jovem, criativa, audaz e focada, e pode ser canalizada para uma verdadeira transformação da nossa consciência e da nossa vida. É o momento certo para deitar novas sementes à terra, tanto em sentido figurado como literal. É também o momento certo para renovar e regenerar aquilo que está enfraquecido, para nos livrarmos de um vício ou mau hábito, para mudarmos algo em nós ou no quotidiano, para fazer planos.
No entanto, cada pessoa reage de forma distinta à influência das fases da Lua, e se para alguns será fácil sentir na Lua Nova a suave efervescência dos novos começos, das oportunidades e do potencial por realizar, para outros estes dias podem trazer uma sensibilidade acrescida, ou até alguma vulnerabilidade. É possível que experimentem flutuações de humor e de vitalidade, enquanto a sua psique vela a “noite negra da Lua”. Se for este o caso, lembrem-se - as promessas da Lua Nova concretizam-se na Lua Cheia!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Vénus, a Harmoniosa

Sandro Botticelli, Nascimento de Vénus, 1486

Logo no início d'O Código Da Vinci, famoso livro de Dan Brown, o planeta Vénus é associado ao pentagrama através do padrão das suas conjunções com o Sol. Tal como outras afirmações do livro, esta deve ser encarada com bastante sentido crítico – mas não é inteiramente falsa.
Conjunções de Vénus com o Sol ao longo de 8 anos


Observada a partir da Terra, Vénus faz cinco conjunções inferiores (quando está entre a Terra e o Sol) ao Sol a cada 8 anos aproximadamente, o que significa, em termos gerais, que a Terra está cerca de 8/5 de um ano adiantada na sua órbita em relação a Vénus, e portanto que o Sol recai num ponto diferente e quase equidistante do Zodíaco de cada vez que ocorre uma conjunção. Isso significa que é possível, em termos conceptuais, construir uma estrela de cinco pontas quase perfeita no Zodíaco a partir dos pontos de conjunção entre Vénus e o Sol, ficando a Terra no centro. 

Naturalmente, tal estrela é imaginada por nós quando “unimos os pontos” das conjunções, e nada tem a ver com o movimento real do planeta, que na verdade formaria algo mais semelhante a uma flor de cinco pétalas.
  James Ferguson, Astronomy explained upon Sir Isaac Newton’s Principles, 1799
Traçado da "flor de cinco pétalas" representando 
as conjunções de Vénus com o Sol ao longo de 8 anos.
Porém, não nos devemos deixar levar demasiado pelo encontro de tal maravilha “oculta” no movimento dos astros. Não é necessário dobrar a verdade para que esta concorde com o nosso desejo de encontrar milagres no mundo; a verdade é sempre o milagre maior. 

Na realidade, as órbitas de Vénus e da Terra não ocorrem no mesmo plano e não são exactamente circulares, e o período sinodal do planeta (tempo que demora o seu regresso ao mesmo ponto no céu) não é perfeitamente coincidente, factos que inviabilizam o traçado real deste pentagrama nos céus. Na melhor hipótese, qualquer ponto de observação usado na Terra apenas permitiria desenhar um pentagrama irregular ou muito deformado. 
Mas Vénus estabelece outras curiosas relações com a Terra, justificando bem a sua fama de planeta harmónico. Uma vez que cada rotação de Vénus (cada dia venusiano) demora 2/3 de um ano terrestre, o planeta faz 12 (quase 13) rotações durante cada período de 8 anos. Ou seja, a cada 8 anos terrestres equivalem 12 dias venusianos e 5 conjunções (em pentagrama “conceptual”) de Vénus com o Sol, sendo que em cada conjunção Vénus mostra sempre a mesma face para a terra. A razão harmónica que rege a relação entre o ano terrestre e o dia venusiano, ou 2/3, equivale ao intervalo de uma das consonâncias musicais mais harmónicas, a quinta, como já afirmava Santo Agostinho.
Por outro lado, o traçado do pentagrama revela a razão 8/5, que equivale a 1.6, muito próximo do famoso Phi (φ) estudado na escola: φ = 1.618, o “número de ouro” dos Gregos, a partir do qual se encontraria a proporção perfeita, e que por isso foi desde sempre muito usado na arte e na arquitectura (sendo supostamente a base harmónica do próprio Parténon). O número de ouro também representa uma constante matemática presente no crescimento e desenvolvimento de muitos organismos, como conchas, partes do esqueleto humano, ou as colmeias.
Estas serão as medidas da nossa relação harmoniosa com Vénus, e uma das razões do poder de atracção que este planeta exerce sobre nós desde sempre, ampliado pela sua ligação à deusa do Amor e da Beleza. Nos próximos dias daremos alguma atenção aos Trânsitos de Vénus, planeta que neste ano de 2012 completa um importante ciclo, convidando-nos a mergulhar nos aspectos que governa: a intuição, o amor, a arte, a beleza e a criatividade, entre outros. De facto, este pode ser um ano de viragem para o Feminino em grande escala, se cedermos a este apelo do coração. E que a face encantada da deusa não nos iluda: o seu chamamento pode trazer uma incrível força vital para as nossas vidas, mas também nos forçará a encarar o abandono e a rejeição secular dos aspectos femininos do Ser, que teremos de trazer à consciência antes de poder curar.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Fogo e Gelo - oposição de Saturno ao Sol

Tobias Roetsch, Volcano of Ice
Na sexta-feira, dia 13 de Abril, Marte deixará de estar retrógrado e voltará, ainda que lentamente, ao seu movimento directo. Como já foi dito, a partir daí podemos esperar um acréscimo de energia e uma maior capacidade de acção, combinadas com o desbloquear de muitas situações à nossa volta. O seu efeito combina-se com o de Mercúrio, directo desde dia 4 deste mês, permitindo a livre expressão de todas as energias.
No geral, estas são boas notícias, apenas ensombradas pela particular conjunção que ocorre exactamente a meio do mês, cujos efeitos de certa forma já se fazem sentir, e que perdurarão ainda por toda a semana seguinte: trata-se da oposição anual entre o Sol e Saturno, ou o confronto entre o Fogo e o Gelo, eternos adversários. Saturno estará tão próximo quanto possível da Terra, com a face que nos observa totalmente iluminada pela luz solar, e o nosso planeta ficará entre os dois gigantes no domingo, dia 15 de Abril, mais precisamente às 19.14 (hora de Lisboa).
A oposição entre o “senhor dos anéis” e o astro-rei será sentida como um momento de tensão generalizada. O domingo poderá trazer à tona sentimentos de frustração, enquanto a expansividade natural do Sol encontra a limitação saturnina. O Sol representa a autoridade régia e paternal, a energia e a auto-confiança do masculino (presente em todos nós), o domínio e o conhecimento de si próprio, a vontade, a vitalidade e a força criativa, a capacidade de auto-expressão e de realização do nosso propósito interior na vida. Saturno traz consigo a constante aferição dos limites e possibilidades reais do Ser, o sentido de dever, a necessidade de cumprir obrigações e assumir compromissos, a auto-responsabilização, e por vezes até mesmo o sacrifício do pessoal em nome do bem comum.
Nestes dias é portanto muito natural que encontremos esta tensão entre o desejo de liberdade, expansividade e auto-expressão, de natureza solar, e uma série de obrigações a que teremos de dar resposta. Talvez se trate apenas da impossibilidade de conciliar a expectativa das distracções do fim-de-semana com a obrigação de responder às necessidades de alguém que depende de nós, ou até mesmo do encontro com a firme oposição de alguém próximo, que parece querer limitar a nossa autonomia. É possível que uma pessoa ou entidade que exerce autoridade na nossa vida nos apresente limitações e bloqueios, ou que nos surja a uma luz menos favorável, mostrando a sua face mais fria e incompreensiva. Qualquer pessoa pode exercer este papel, e também devemos recordar que o exercemos muitas vezes diante de outros. Estes confrontos podem provocar-nos sentimentos de solidão, incompreensão e desilusão, mas o mesmo pode acontecer com o filho com quem usamos neste momento mais disciplina do que tolerância, por exemplo; será boa ideia não esquecer que os relacionamentos são sempre uma via de dois sentidos.
Mas este “encontro” será muitas vezes interior, resultante do conflito entre estas duas facetas da nossa própria personalidade, muitas vezes vividas no seu aspecto mais negativo – a tendência egocêntrica para a livre expressão do “eu” e para a busca do prazer pessoal, e a tendência repressiva e culpabilizadora que exige o auto-sacrifício como forma de remissão do egoísmo.
Se nos encontrarmos entre estes dois arquétipos, tal como a Terra “comprimida” entre o Sol e Saturno, será melhor respirar fundo e manter a calma. O ideal seria não escolher um lado, e recordar que no meio está a virtude. Talvez seja necessário assumir uma obrigação em vez de descansar ou passear, ou cumprir um prazo quando o desejo é adiá-lo, ou dedicar-se aos outros em vez de tirar tempo para si. Mas é certamente possível fazê-lo sem frustração ou ressentimentos, e até aproveitar a “satisfação do dever cumprido”; haverá ocasiões para compensar mais tarde, e a vida é justamente feita desta alternância entre expansão e contracção, luz e sombra. Saturno mostra os nossos pontos fracos (e expõe-nos muitas vezes à vista de todos), de forma a podermos fortalecê-los. Na verdade, só podemos expressar-nos em plena liberdade se tivermos uma base sólida que nos ancore.
Melhores dias virão em torno da Lua Nova de 21 de Abril, dois dias depois da entrada do Sol em Touro. Até lá, trata-se de aproveitar as lições deste encontro entre o Sol e Saturno, aproveitando a permanência deste último em Libra, senhora do equilíbrio cósmico. Podemos assim aprender a respeitar os ciclos do dar e do receber, reconhecer os momentos certos para pensar em nós ou nos outros, alternar a expansividade com a introspecção e o trabalho com a diversão.

domingo, 8 de abril de 2012

A Páscoa e a Lua

Lua cheia de 6 de Abril de 2012

Sabemos que a Páscoa é uma festa móvel, mas poucas vezes pensamos na razão para esta mobilidade. Na verdade, a Páscoa é uma festa móvel porque é baseada no calendário lunar (judaico), ainda que adaptada ao calendário gregoriano.
Os povos nómadas e de economia pastoril desenvolveram calendários de base lunar, por oposição aos povos sedentários e praticantes da agricultura, que geralmente adoptavam calendários solares. O povo judeu, nómada até à fuga do Egipto e à conquista da “terra prometida” de Canãa, utiliza até aos dias de hoje um calendário lunar, a partir do qual é anualmente determinada a data da Páscoa judaica, a Pesach ou Passagem. A Pesach principia no mês judeu de Nisan ou Nissan, que recai entre os meses de Março e Abril do calendário gregoriano. O mês de Nisan começa[1] na noite em que a Lua Nova dá lugar ao primeiro vislumbre do Quarto Crescente, celebrando-se a Páscoa duas semanas depois, com a primeira Lua Cheia depois do Equinócio da primavera. Para garantir que esta festividade nunca seria anterior à Lua Cheia equinocial, acrescentava-se um décimo terceiro “mês” ao ano no qual o Equinócio antecedesse esta fase lunar, de forma a atrasar o início de Nisan. Uma vez que este mês marca o início da época das colheitas em Israel, esta determinação estava ligada à observação dos grãos da cevada; Nisan é o mês no qual a cevada está madura.
Para além da festividade agrícola, hoje quase esquecida, a Pesach celebra a libertação do povo judeu da escravidão no Egipto, nomeadamente o momento em que Deus “passou” pelas casas dos judeus sem lhes fazer qualquer mal, enquanto matava o filho primogénito de cada família egípcia. Para recordar este momento, é ainda hoje imolado por cada família judaica um cordeiro pascal que simboliza o filho salvo.
É distinto o significado da Páscoa cristã, embora esta seja determinada a partir da festa judaica. A Páscoa cristã celebra a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, crucificado enquanto os judeus preparavam  a festa da Pesach. Cristo, o filho primogénito de Deus, torna-se o cordeiro imolado para libertar o povo do pecado, e a data da Páscoa representa o encontro entre a Antiga Lei (o Antigo Testamento) e a Nova Lei trazida por Cristo (O Novo Testamento). No entanto, a tradição cristã fixou a Páscoa no primeiro domingo posterior à Lua Cheia equinocial ou Páscoa judaica, dia no qual Cristo terá ressuscitado. Fica assim adaptada a antiga tradição de base lunar para um sistema mais concordante com a simbólica cristológica: o domingo é o Dia do Senhor (Dies Domini) ou o Dia do Sol, assim nomeado no célebre Édito do Imperador Constantino que oficializou a prática da observação do Domingo já em vigor entre os cristãos primitivos: que todos os juízes, e todos os habitantes da cidade, e todos os mercadores e artífices, descansem no venerável dia do Sol...
Desta forma, quer celebremos a Páscoa judaica (este ano na Lua Cheia de 6 de Abril, a sexta-feira santa cristã), quer celebremos a Páscoa cristã, ou a nenhuma destas, podemos ainda celebrar dentro de nós a Lua Cheia equinocial de 6 de Abril, que inaugura verdadeiramente um novo ano. Este fim de semana, terminando no Domingo de Páscoa de 8 de Abril, é o princípio de um ciclo que começa de forma um pouco tensa, e que veremos terminar com a Lua Cheia de 25 de Abril de 2013 - curiosamente, dia de eclipse lunar, que muitos acreditam ser a configuração precisa do momento no qual Cristo morreu na cruz, quando as trevas cobriram toda a região (Lc 23:44)[2]. Este início (e este final anunciado) parecem fazer prever um ano difícil, mas seguramente muito importante. Assim o saibamos honrar em cada momento, para o melhor e para o pior, porque afinal a vida é uma série de mudanças espontâneas e naturais, e resistir-lhes só poderá criar dor (Lao-Tze). Boa Páscoa, e Bom Ano Novo!



[1] Assim começam todos os meses no calendário judaico, terminando na noite da Lua Nova seguinte. Por curiosidade, o calendário islâmico segue exactamente o mesmo preceito.
[2] O texto bíblico refere um eclipse diurno, solar, mas tal é impossível durante uma Lua Cheia, e portanto não poderia ter coincidido com a Páscoa judaica. Pelo contrário, os eclipses lunares ocorrem apenas durante a Lua Cheia.

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Lua Cheia de 6 de Abril e o céu em revolução

Andreas Cellarius, Atlas celeste, século XVII
Hoje, dia 4 de Abril, Mercúrio cessa o movimento retrógrado iniciado a 12 de Março, e incita-nos a estabelecer (ou restabelecer) comunicações com aqueles que nos rodeiam. Isto significa mais diálogos, telefonemas, emails e solicitações de redes sociais, quer seja no mundo real ou no mundo virtual. O movimento retrógrado de Mercúrio juntava-se ao de Marte e Saturno, fazendo com que todas as iniciativas avançassem de forma mais vagarosa, e travando o impulso para diante trazido pela entrada do Sol em Carneiro e pelo início da primavera no nosso hemisfério. A partir de agora poderemos sentir um certo alívio desta “pressão”, reforçada pelo facto da influência dos planetas no quotidiano ser mais forte quando estão aparentemente retrógrados.
Mas os efeitos do retorno ao trânsito directo do planeta que rege as comunicações, a troca de informação, o pensamento lógico, o ensino, as viagens e os negócios ainda se farão esperar, porque a progressão de Mercúrio é lenta. Em todo o caso, também Marte abandonará o movimento retrógrado dentro de poucos dias, a 13 de Abril, e a partir daí podemos esperar um acréscimo de energia e uma maior capacidade de acção, combinadas com o desbloquear de muitas situações à nossa volta. A verdade é que as coisas continuam a evoluir, e por vezes dramaticamente, durante um Mercúrio retrógrado, mas o mais provável é que tudo nos pareça imobilizado. Esta é uma das razões pelas quais somos aconselhados a não tomar decisões importantes em tais momentos, visto que só mais tarde teremos acesso a toda a informação e saberemos o resultado das nossas acções.
Regressando Mercúrio e Marte à sua situação normal, só Saturno permanece retrógrado (até 25 de Junho). Mais do que pensar no poder limitador deste planeta, devemos lembrar-nos da forma como ele nos pode ajudar. Saturno força-nos a reflectir sobre as responsabilidades que assumimos na vida, e como nos relacionamos com elas. Estão a impedir o nosso progresso? Ou, pelo contrário, estamos a fugir de responsabilidades cuja aceitação nos poderia levar à próxima etapa da nossa vida? Ou assumimos os deveres apenas pela metade, sem nos empenharmos verdadeiramente no seu cumprimento, vivendo com a frustração e a culpa?
Saturno faz-nos olhar com objectividade para as nossas capacidades reais e para os nossos limites, mostrando-nos onde é que não fomos realistas no estabelecimento de metas, mas também onde não estamos a utilizar todo o nosso potencial. Por fim, Saturno quer ver assuntos resolvidos, em vez de novos projectos a começar. Trata-se de organizar a vida, ser realista e paciente, atar pontas soltas, terminar assuntos (e deixar situações que já não nos servem) e assumir compromissos. De qualquer forma, Mercúrio e Marte retrógrados já nos aconselhavam o mesmo, mas à sua maneira: fazer uma pausa, recuperar forças e reavaliar situações.
Naturalmente, nestes dias impõe-se a próxima Lua Cheia de 6 de Abril, Sexta-Feira Santa. Iluminando a mesma casa onde está Saturno (Libra ou Balança), a sua luz fica um tanto obscurecida por este planeta severo e sombrio… e infelizmente não se trata apenas disso. O disco lunar vai fazer ângulos desconfortáveis com Neptuno, Vénus e Marte, mas especialmente com Plutão, senhor da simbólica “descida aos infernos”, regente da destruição e transformação de todos os sistemas. Durante todo o fim-de-semana prolongado podemos esperar sentir a tensão e o drama causado por estes (des)encontros celestes, aos quais se juntam outros (Urano e Plutão também se enfrentam nos céus, somando a sua energia à dos planetas retrógrados). Na verdade, praticamente todos os planetas estão neste momento em posições incómodas! Não seria estranho que surgissem equívocos com os outros, por vezes (mas nem sempre) mal-intencionados … e até podemos descobrir que também nós dizemos uma coisa e pensamos outra, transmitindo uma imagem confusa ou contraditória.
Porém, no domingo a Lua entra em conjunção com Saturno, e Saturno não permite ilusões. Veremos então o que esta verdadeira “loucura da Lua” nos trouxe. Será talvez difícil escapar à sua influência, mas conhecer a razão do desconforto é já meio caminho andado. Como o fim-de-semana prolongado da Páscoa costuma trazer mais tempo com a família alargada, o que pode reavivar feridas do passado, nada como exercer algum auto-controlo, em palavras e acções. Afinal, são só três dias – pelo menos até à dolorosa oposição anual do Sol e de Saturno, a 15 de Abril, mas essa é outra conversa…
Se este fim-de-semana se revelar muito difícil, e a meditação sobre o mistério pascal não for suficiente para nos reequilibrar, então lembremo-nos que a segunda parte do mês (e especialmente a Lua Nova de dia 21) promete ser muito mais doce e agradável. Basta um pouco de paciência, já que a única coisa certa na vida é a mudança – e em poucos domínios isto é tão evidente como quando observamos os astros.