A minha avó é
que achava que sim. Também não se trata de um rapaz que bebeu demais e agora
tenta fazer o quatro, a ver se se equilibra. A minha avó, na verdade, achava
que era um jovem de revoltos cabelos azuis e ar apático, a treinar para os
Jogos Olímpicos de Moscovo, em 1979, com um fatinho adquirido numa loja popular
de Bucareste.
Mas eu vou
analisar a carta na posição correcta, com o XII por cima e o título em baixo:
Le Pendu – O Dependurado.
Esta carta é
muito minha conhecida. Passa a vida a sair-me e passa a vida a sair nas
leituras das pessoas sérias deste mundo. Deve ter sido inventada ao mesmo tempo
que a burocracia e as repartições de finanças.
Uma coisa que
eu gostava de explicar é que a vida, sendo séria, não é assim tão séria. Outra,
é que existem cerca de cento e vinte razões para uma pessoa se colocar de
cabeça para baixo. Os Jogos Olímpicos de Moscovo, os Jogos Olímpicos de Los
Angeles, os de Londres. Isto só no âmbito dos argumentos disparatados e sem
lógica. Outra razão pode ser uma posição de ioga. Outra, uma pedrinha entalada
na garganta e, virando-se a pessoa ao contrário, a pedrinha solta-se e é
cuspida num raio de cinco metros. Outra, embora de repente isto não me faça
sentido nenhum, pode ser uma quebra de tensão: pessoa outra vez virada ao
contrário e, em dois segundos e meio, valores sistólicos normalizados. Mas, a
mais plausível, talvez seja um amuo do género: “Agora não saio desta posição
enquanto a Sara Raquel não voltar para mim e o dono do café não me readmitir ao
serviço, na próxima segunda-feira”. Diga-se de passagem que com este espírito
não se ganham medalhas de oiro nos Jogos Olímpicos, mas a mim não me cabe
julgar a vida do rapaz.
E já me está a
parecer que esta análise resvala para um certo simplismo.
Independentemente
do corte e do colorido do seu fato e do seu tom de cabelo, a figura tem um dos
pés atado por uma corda, real ou imaginária. E se há corda que nos ate os pés,
se há corda que nos prenda o pé ao ramo de uma árvore, não pode haver alma
que se sinta livre, nem coração que não pese no peito - só uma vontade de
libertação que nos atravessa o cérebro no sentido dos quatro pontos cardeais.
Em todas as
leituras que já realizei, o dependurado aparece aos que acreditam que a vida é
difícil e que as coisas só se conseguem com sofrimento. Eu incluída. Também
costuma surgir como aviso de complicações e de demoras. Também pode sentenciar
que Carlos Manuel não gosta da consulente. Também costuma anunciar que são
necessários 350 papéis para conseguir uma transferência de trabalho.
Mas, às vezes,
o Dependurado não fala em nada destas coisas. A sua voz é macia e ele é um
yogi, a avisar que não é necessário fazer nada. Que está tudo no destino e que,
mesmo o tempo de espera, é um tempo preciso e precioso. Se a minha avó fosse
viva diria que “o rapaz, afinal, faz tudo com uma perna às costas”. Também
diria que era tempo de respirar fundo, de me inscrever numa nova modalidade
desportiva, de pintar os cabelos de azul (esta parte é mentira), e de aguardar
pelo momento certo, que é quando as coisas erradas não costumam acontecer.
Mas como a
gerência é pragmática e eu é que mando neste texto, quero advertir para grandes
secas: vá cedinho, tire a primeira senha e leve uma sanduíche de anchovas para
comer às dez da manhã.
Não digo, como
a minha amiga Patrícia, que o Dependurado é “um não redondo”. Mas aconselho a
que, enquanto espera, repita mentalmente que a vida é simples, a vida é
simples, a vida é simples e divertida. Talvez não venha a fazer muitos amigos
na sala de espera do Instituto Gama Pinto, que é onde eu estou agora. Mas,
tirando o labrador que veio guiar a dona, quem é que quer fazer um amigo que só
sabe falar de dioptrias e outras matérias oftalmológicas que me esmagam de
ignorância?
E com esta frase
desagradável e pretensiosa acabo por hoje a minha mensagem de esperança.