quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

21 de Dezembro de 2012 - O Fim do Mundo e o Solstício de Inverno


 I 
O “Fim do Mundo” 

Tanto enquanto Humanidade como enquanto indivíduos, todos tememos periodicamente um fim do mundo, sob qualquer uma das suas formas. A aproximação do ano Mil lançou a Europa no temor colectivo do aniquilamento, inspirando inúmeros actos de contrição e muitas conversões súbitas e inflamadas. Antes e depois deste ano memorável, foram incontáveis as datas apontadas para o fim do mundo, baseadas na redondez dos números – milénios e ciclos de 500 anos são os preferidos –, nas efemérides de eventos extraordinários, nas previsões de vários auto-denominados profetas, ou em episódios tão curiosos como o da galinha inglesa que punha ovos com mensagens apocalípticas.

As sociedades ocidentais, progressivamente secularizadas e imbuídas do espírito racionalista, foram deixando de acreditar nestas previsões, mas não as conseguiram dispensar por completo: apesar de tudo, o mito e a magia ainda nos habitam. Sabemos e sentimos, em todos os níveis do nosso Ser, que a vida é feita de ciclos, desde a fugaz duração de algumas células do corpo ou da vida de uma borboleta, até aos grandes ciclos cósmicos que hão-de determinar, ainda que num futuro longínquo, o total arrefecimento e extinção do universo. Entre o pouco que sabemos, sabemos isto: tudo aquilo que tem um começo terá um fim.

Entretanto, o fim do mundo não aconteceu no ano Mil, nem no milénio seguinte, nem acontecerá agora, quando viramos a última “página” do já famoso calendário Maia, como não acontecerá nunca apenas porque um calendário chegou ao fim. Para minorar algumas decepções, e para manter a chama do encantamento acesa, deixamo-nos então embalar pelo conceito de “fim de uma era” e pela possibilidade renovada do despertar de um “novo mundo” nas nossas consciências, num movimento confirmado pela suposta subida de vibração da Terra (conceito que faz muito pouco sentido, e é de resto inverificável), por um misterioso alinhamento planetário (que não existe, sendo que os alinhamentos parciais são frequentes), e por muitos outros “dados científicos” bastante criativos mas muito pouco realistas.

A verdade é que vivemos num mundo continuamente nascido, morto e recriado, onde o futuro se faz passado a cada instante e só o presente é real, como se o real fosse da espessura de uma sombra suspensa no vazio e tivesse a duração de uma fagulha. Cada momento é uma oportunidade para nos recriarmos também a nós, ampliando a nossa consciência e mudando o (nosso) universo. A astrologia ensina-nos que há ocasiões mais propícias a este movimento do que outras, e também que algumas conjunturas nos afectam enquanto indivíduos, enquanto outros afectam toda a Humanidade e até o sistema solar que habitamos. A fé mostra-nos que o socorro dos Céus está sempre ao nosso alcance. A simples observação da natureza torna evidente a harmonia e o profundo sentido da Criação. Neste cosmos ordenado e harmónico, pulsando em ciclos regulares e regido por leis que desconhecemos na sua maior parte, mas cuja perfeição conseguimos por vezes adivinhar, está tudo aquilo de que necessitamos para crescer em consciência e fazer com que o brilho dessa consciência ilumine tudo o que nos rodeia. Em vez de esperar por um dia especial ou por uma conjunção celeste peculiar, melhor seria se aproveitássemos em cada segundo o infinito poder e a excepcional graça do momento presente.

II 
O Solstício de Inverno 

No mesmo dia em que alguns esperam um cataclismo universal, outros uma “ascenção vibracional” da Humanidade, e a maior parte espera apenas o momento certo para se rir um pouco, celebra-se mais um solstício de Inverno. Este ano, o momento solsticial ocorre precisamente a 21 de Dezembro, quando os nossos calendários marcam a entrada da nova estação. Às 11.11h, e durante alguns segundos, o Sol parecerá imobilizar-se nos céus antes de continuar o seu movimento; este será o dia mais curto do ano, e a partir daqui os dias serão cada vez mais longos, até ao solstício de Verão.

A energia invernal é yin, fria, escura, maternal, passiva, vagarosa e dirigida para o interior, e está bem evidente nos dias curtos, húmidos e frescos. O Inverno é também sinónimo de uma natureza mais introspectiva e prudente, e simboliza a idade avançada, quando os ritmos biológicos e as ambições mundanas se moderam. É uma época adequada ao repouso, à calma, à leitura, à vida doméstica e contemplativa. Estaremos a funcionar de acordo com a energia da estação se reduzirmos o nosso ritmo de vida e as horas de trabalho e nos dedicarmos ao lar, à família e aos amigos íntimos, mantendo as casas aquecidas e confortáveis, comendo alimentos mais quentes e nutritivos e indo para a cama mais cedo. O solstício de Inverno deve ser celebrado como um momento de serenidade, interioridade, aceitação, desapego e atenção aos outros.

Porém, o excesso de frio causa inércia, apatia e falta de clareza mental, sendo necessário manter o organismo e os ritmos da vida em equilíbrio. Devemos conjugar a tendência para acordar mais tarde e deitar mais cedo, acompanhando as reduzidas horas de luz, com uma maior actividade durante as horas mais quentes do meio do dia. Para contrabalançar o frio e a humidade na natureza e nos nossos corpos devemos atiçar algum fogo, seja aquecendo as casas, comendo alimentos quentes e bem cozinhados ou vestindo mais roupa. A prática de actividades físicas energéticas é menos eficaz nesta época, enquanto a meditação, a contemplação e o estudo são favorecidos.

Por fim, lembremo-nos que a luz desponta no momento mais escuro da noite, e que a morte invernal não é senão uma suspensão aparente e temporária da vida. É este o verdadeiro significado do Natal, de que falaremos noutro texto, e é esta a promessa anunciada pelo solstício de Inverno. Que esta luz ilumine o nosso desejo legítimo de ver renovado, em cada manhã, o mundo que habitamos. Afinal, amanhã, em vez de ter terminado, o mundo estará um pouco mais iluminado, e em breve despontarão as primeiras folhas da Primavera nas árvores agora despidas.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Eclipse solar em Escorpião



Para ser grande, sê inteiro: nada
          Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
          No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
          Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis 

A Austrália, e através dela todo o mundo, viveu nas primeiras horas de hoje, dia 14 de Novembro, um eclipse solar total. O eclipse solar potencia sempre uma tendência para uma viragem interior, obscurecendo a luz diurna, que revela as aparências mas esconde as essências, e fortalecendo a penumbra nocturna, que permite a viagem inversa. Não é verdade que a luz do sol revela o mundo, mas vela o céu, enquanto a noite cobre o mundo mas descobre as estrelas? Cada eclipse solar dá-nos justamente a oportunidade de ver, em pleno dia – ou seja, quando a nossa consciência está desperta – o que está habitualmente oculto.

E se um eclipse solar já é, em si próprio, um portal entre o consciente e o inconsciente, imagine-se o poder que terá quando este portal se abre no signo de Escorpião, aquele que habita as águas profundas do inconsciente, regido pelo próprio Plutão, senhor dos mundos subterrâneos e dos poderosos processos ocultos da vida e da morte.

Plutão é muitas vezes temido pela sua associação com a morte e a destruição, mesmo quando sabemos que rege igualmente os processos de regeneração. Naturalmente, todo o ser vivo teme, acima de tudo, a aniquilação; mas aquilo que os homens temem em Plutão é pelo menos tão assustador, se não mais, do que a morte física: é a morte do Ego. Nenhuma terapia ou livro de auto-ajuda nos pode preparar para a realidade desta forma de aniquilação daquilo a que estamos habituados a reconhecer como a nossa identidade, a nossa persona, a soma de tudo o que somos. A promessa de um eventual renascimento não é suficiente para acalmar o pavor atávico da perda de si próprio, da cedência de controlo, da queda livre no desconhecido. Como o reflexo instintivo e involuntário que leva o recém-nascido a tentar agarrar-se a algo logo que pressente a possibilidade de uma queda desamparada, assim reagimos nós diante da proposta de Plutão.

Mas o caminho que Plutão indica é na verdade o único que conduz ao nosso íntimo, ao mais profundo de nós mesmos. Se o pudéssemos recusar, nunca encontraríamos o âmago do nosso ser, o lugar onde nasce e se enraíza a nossa essência humana, e o ponto de contacto com a nossa essência divina. Porém, embora não possamos recusar os processos plutonianos à medida que estes surgem nas distintas áreas da nossa vida, podemos sempre escolher vivê-los sem consciência e sem colaboração – o que, sendo compreensível do ponto de vista humano, é, a todos os níveis, uma pena.

O eclipse solar em Escorpião é, portanto, uma luz que se fecha para o mundo e se abre para dentro, convidando a uma viagem interior iluminada pelo sol da consciência, que não costuma brilhar nessas frias paragens. O único conselho ajuizado será, pois, o de aproveitarmos esta oportunidade para tentar mergulhar nos domínios profundos do inconsciente à procura dos grandes temas escorpiónicos da vida psíquica, da sexualidade e das reservas de energia vital, considerados na sua dimensão oculta, irracional, e tantas vezes recalcada – a nossa sombra.

Esta “sombra”, como a sombra fugidia de Peter Pan, deve ser conquistada e reclamada pela consciência, se queremos ser inteiros. Nela estão armazenadas as nossas reservas energéticas mais profundas, esse negro petróleo gerado a partir das experiências mais antigas que fossilizaram na nossa psique sob a acção transmutadora das “infernais” pressões plutónicas. Tal como na analogia alquímica, que procura o ouro luminoso a partir da purificação da poderosa matéria negra arrancada ao centro da terra, trata-se de trazer à luz da consciência o nosso repositório de emoções reprimidas, medos, pulsões primitivas, desejos recalcados e negações. Iluminadas, as trevas deixam de existir, e revelam-se na sua derradeira verdade: como nada. A consciência expandida passa a ocupar todo o espaço dentro de nós, abrangendo agora a plenitude do Ser integral.  

Este processo de integração e completude, esta vitória sobre a dualidade, só podem ser entendidas como o limite, mais virtual do que real, de um processo cujo fim está fora do tempo. No entanto, podemos vivenciar “pequenos” processos de integração do Ser à medida que lidamos com as influências de Plutão e nos aventuramos corajosamente nos seus reinos sombrios, com o auxílio dos clarões de luz que o Universo, como uma graça, acende diante de nós – como este eclipse tão bem testemunha. 

Morre antes da tua morte, diziam os sábios sufis. De cada pequena morte, de cada rendição, de cada mergulho no mar profundo do inconsciente resultará um ser renovado. Assim é no domínio plutónico da sexualidade, onde é bem conhecida a metáfora da “pequena morte”, que simboliza a entrega total, única via para a transmutação do sexo “normal” em acto divino, fusão cósmica, ultrapassagem da dualidade física. Assim é no domínio plutónico dos reservatórios de poder, como os recursos materiais, onde só a total confiança permite conhecer a abundância dos lírios do campo, que não trabalham nem fiam, e porém nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles (Mt. 6:2).

Este é, pois, o momento certo para nos abrirmos à intuição, para darmos voz à nossa voz interior. Para retirarmos, pelo menos por algum tempo, o nosso foco do mundo e o voltarmos para dentro. Para desligar a televisão, fechar o jornal e meditar um pouco. Para fazer silêncio. Para deixar falar o corpo e, através dele, o inconsciente. Para deixar fluir a vibrante energia da sexualidade, que é fonte de vida sob todas as suas formas. Para alargar um pouco mais os limites do nosso ser, aceitando um pouco mais da nossa natureza sexual e dos desejos que habitualmente recalcamos. Para acreditar na abundância, energética e material, que o Universo oferece àqueles que não se auto-limitam. Para nos predispormos ao encontro connosco mesmos, e ao resgate da nossa totalidade.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Lua nova em Balança - mais uma oportunidade


Há cerca de 10 dias atrás, a 5 de outubro, Saturno deixou o signo de Balança, e o foco das suas lições de vida passou para os temas regidos por Escorpião. Durante dois anos tivemos oportunidade de trabalhar a energia de Balança sob um ponto de vista implacavelmente realista, e cada um terá feito as suas aprendizagens pessoais no domínio dos relacionamentos e das parcerias, com resultados que se vão revelando ao longo do tempo.

Mas agora, e durante os próximos 28 dias, podemos revisitar estes temas, acompanhando a Lua nova que desperta na casa de Balança. Se as lições dos dois últimos anos foram aprendidas (ainda que mais ou menos inconscientemente), teremos uma boa oportunidade para “começar de novo”. Já sabemos que a Lua nova e os dias imediatos – o primeiro instante, ou parto, de um ciclo lunar – são o momento perfeito para lançar novas sementes à terra; qualquer iniciativa tem nestes dias um potencial de sucesso acrescido, seja ela voltada para o início de um projecto absolutamente novo, ou para a renovação e regeneração de algo enfraquecido, viciado ou desvirtuado. A energia de uma Lua nova pode ser canalizada para uma verdadeira transformação da nossa consciência e da nossa vida.

Em Balança, esta Lua inaugura um ciclo dedicado aos relacionamentos que mantemos, e sobretudo (mas não só) aos relacionamentos amorosos. Dá-nos mais uma hipótese de olhar, com olhos limpos, para este par formado por “eu o e outro”. Uma das qualidades de Balança é a capacidade de negociação e de harmonização dos opostos, que podemos ajudar a trazer conscientemente para as nossas relações.

Ao mesmo tempo, Vénus – regente de Balança – está em Virgem, a Donzela arquetípica, aquela que não conhece senhor e é dona de si própria. Mas a peça representada pela Lua em Balança e Vénus em Virgem é, mais do que uma história no feminino, uma narrativa da alma humana. Em cada um de nós, homem ou mulher, desperta agora esta tranquila independência da alma (Vénus em Virgem) que nos permite saber quem somos, aceitá-lo, e relacionarmo-nos com os demais a partir daí. Se Balança nos ensina a ceder um pouco para ir ao encontro do outro, esta posição de Vénus ensina-nos a não ceder tudo, permitindo-nos ver com clareza onde é que nos situamos perante nós, os outros e a vida. Balança mostra-nos até que ponto o outro é o nosso espelho (e aqui vale o diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és); Vénus em Virgem mostra-nos que, enquanto estivermos sujeitos às leis deste mundo, o outro é uma realidade separada e autónoma. As duas aprendizagens são verdadeiras, cada uma ao seu modo, e fundamentais para nos sabermos relacionar. Entre uma e outra energia, podemos aproveitar estes dias para nos reconhecermos como parceiros de direito próprio diante do outro, e vice-versa.

Este é também o tempo certo para corrigir desequilíbrios, incluindo os desequilíbrios dentro de nós mesmos (por exemplo, entre as nossas atitudes conscientes e as nossas pulsões inconscientes), ou aqueles tão exteriores como o desequilíbrio cósmico entre o masculino e o feminino. Nos relacionamentos, trata-se de equilibrar as nossas necessidades com a do parceiro, criando uniões mais harmoniosas e verdadeiras, mas também (e sobretudo) mais amorosas.

Uma possibilidade trazida por esta Lua é a do encontro, em nós mesmos, da polaridade oposta – o arquétipo masculino para uma mulher, o feminino para um homem – exigindo reconhecimento e integração. Tal encontro, geralmente despoletado por alguém ou por um acontecimento exterior, pode atiçar um enamoramento ou uma paixão. A paixão, que de certa maneira se opõe à forma mais elevada da energia amorosa de Vénus/Balança, conduz-nos, encadeados e ébrios, para dentro de nós mesmos, em direcção às projecções inconscientes do Ego: a pessoa que nos desperta o coração nada mais é que um catalisador do encantamento que sentimos diante do nosso próprio reflexo, adivinhado num ser exterior. Esta é uma versão bem conhecida do “casamento alquímico”, também simbolizado pela Lua nova, ou conjunção entre a Lua e o Sol.

Porém, trata-se aqui sobretudo de um movimento de unificação interior, que não deve ser confundido com uma relação amorosa livre e consciente. O amor, ao contrário da paixão, mostra-nos o outro em todo o esplendor da sua verdade, da sua unicidade e da sua infinita complexidade. A Lua nova em Balança vem também activar a capacidade de ver o outro por dentro, de o reconhecer na sua essência, de o encontrar em todos os sentidos, e esta é a oportunidade que não devemos realmente perder.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Saturno em Balança: nem sempre podemos ter aquilo que queremos




You can't always get what you want
But if you try sometimes
You just might find you get what you need!
 (The Rolling Stones)

Saturno esteve em Balança até ao passado dia 5 de outubro, quando entrou em Escorpião. Balança é o sétimo signo do zodíaco, e inaugura a segunda metade deste, que num mapa todo alinhado (com Carneiro na casa 1, e por aí adiante) corresponde aos seis signos situados acima da linha do horizonte. Os primeiros signos do zodíaco (Carneiro, Touro, Gémeos, Caranguejo, Leão e Virgem) estão essencialmente relacionados com o desenvolvimento e a afirmação da persona ou do ego, e os últimos seis caracterizam-se por uma progressiva abertura ao outro, ao mundo e aos valores universais. A transição para Balança simboliza portanto um determinado grau de amadurecimento do Eu, que deixa as fases juvenis (Carneiro, Touro e Gémeos) e da primeira idade adulta (Caranguejo, Leão e Virgem)

Em Balança estamos no início da viragem para fora, colocando a ênfase nos relacionamentos interpessoais e na necessidade de estabelecer parcerias de qualquer tipo – das quais a relação de casal, única que pode funcionar a todos os níveis do ser, representa o modelo mais completo. Balança tem a ver com o tema da partilha energética entre duas polaridades, e o seu objectivo é o equilíbrio e a harmonização das duas energias presentes. A fórmula para alcançar este equilíbrio é a equidade, ou a capacidade de fazer escolhas justas não apenas para um, como sucedia sob o domínio do ego, mas para os dois lados de cada questão.

Quanto a Saturno, este pode ser visto como um professor severo, exigente e disciplinador, mas justo. Saturno domina a rebeldia e castiga a inconstância e a preguiça, enquanto recompensa o trabalho sério, a persistência e a responsabilidade pessoal. Oferece nas suas aulas um ambiente estruturado (que para muitos será considerado limitativo), regras rígidas e uma autoridade inquestionável. As suas lições são longas e difíceis, mas quem resistir pode contar com um prémio – e nada é tão gratificante como um prémio concedido por Saturno. Conhecem a sensação de receber um elogio ou uma boa nota do professor mais austero e rigoroso da escola?

Com Saturno em Balança, o nosso rigoroso professor veio desafiar-nos a prestar uma séria atenção aos relacionamentos e parcerias, essa delicada dança (que é por vezes luta) entre o Eu e o Outro. E Saturno não faz concessões: aquilo que pede aos seus alunos é um exame implacável dos seus relacionamentos, do equilíbrio entre dar e receber, daquilo que pedem e daquilo que podem (e querem) dar, da solidez das relações que mantêm, e até daquilo que uma relação realmente significa para cada um. Durante este período, que teve início entre Outubro de 2009 e Julho de 2010 e termina agora, os alunos mais atentos terão certamente revisto muitas noções pessoais acerca de parcerias, e talvez tenham tido revelações inesperadas. Com “boa nota”, passaram aqueles que tiveram a coragem de encarar os desequilíbrios nas suas relações, o que é verdade e o que é ilusório, e a sua própria capacidade de se relacionar (dar e receber).

Saturno em Balança não permite, por exemplo, a manutenção de ilusões românticas. Só aqueles que permaneceram firmemente de olhos e ouvidos fechados à lição saturnina – o que não acontece apenas por teimosia ou falta de coragem, mas por inúmeras razões pessoais – poderão ter conservado na sua plenitude uma visão ingénua e irrealista dos relacionamentos amorosos. Para todos os que foram pessoalmente tocados pelo trânsito, os insights podem ter chegado de diversas formas. Uns terão compreendido que a relação que mantinham não é adequada ao seu desenvolvimento pessoal; outros terão aceite o oposto, ou seja, terão tomado a decisão de se comprometer num relacionamento; outros ainda terão enfrentado a necessidade de se libertarem de expectativas, ideais, preconceitos ou medos. 

Saturno pede-nos para viver no mundo real. Em Balança, ele mostra-nos que um amor e uma cabana não são tudo, que nenhuma união é perfeita, que é difícil existirem separações sem dor, que as nossas escolhas podem fazer vítimas e danos colaterais, que nem sempre é possível identificar culpados e inocentes, que não é assim tão fácil encontrar “outra pessoa”, que o amante dos nossos sonhos provavelmente deveria ficar apenas nos nossos sonhos, que romper um relacionamento pode significar ter de aceitar a solidão, que não é assim tão mau estar sozinho, que podemos não estar preparados para amar e ser amados, que nada é mais valioso numa relação (como na vida em geral) que a verdade, e nada mais destrutivo que a mentira e a ilusão, que só podemos mudar a nós mesmos, e que não podemos exigir nada de ninguém, muito menos que nos faça felizes. 

Mas mostra-nos também que é possível ser genuinamente feliz aceitando a imperfeição, que os nossos defeitos nos afastam mais da felicidade que os defeitos do outro, que o mundo oferece as maiores surpresas a quem se abre às suas infinitas possibilidades, que a coragem dá frutos, que o tempo – regido por Saturno – tudo muda, tudo cura e tudo ensina, que nada se constrói sem estrutura, paciência e perseverança (e aquilo que cresce num instante cai num instante), e que seremos amados quando soubermos e quisermos amar.

Na verdade, Saturno sente-se bem em Balança, signo onde se encontra exaltado. Talvez a ternura e o encanto pessoal do signo aqueçam o coração deste mestre duro e taciturno, ou a sua constante procura da verdade encontre eco no amor de Balança pela equidade, justiça e imparcialidade; o facto é que a combinação de ambos está facilitada. A permanência de Saturno em Escorpião, que começou agora e terminará apenas em dezembro de 2014, será sem dúvida mais dura – especialmente para aqueles que não estudaram bem a lição anterior. Se em Balança a energia de Saturno explorava o tema dos relacionamentos do ponto de vista da consciência comum, em Escorpião ele vai mergulhar nas profundezas do inconsciente e analisar questões bem mais complexas, como a nossa necessidade de controlo do outro, as lutas de poder, a manipulação, o ciúme, o medo, a traição, os comportamentos obsessivos, as pulsões inconscientes, a capacidade de entrega incondicional, a vivência da sexualidade e a dissolução das barreiras físicas e psicológicas, o significado da verdadeira intimidade. Onde Balança encorajava a negociação, Escorpião exige uma vontade focada e, por vezes, implacável e irredutível. Como podem ver, este curso já não é para meninos do primeiro ano…

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Estes tempos que vivemos - o confronto celeste entre Urano e Plutão





Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero, tínhamos tudo diante de nós, nada tínhamos diante de nós, íamos todos para o Paraíso, íamos todos no sentido contrário (…).
 “Um conto de duas cidades”, Charles Dickens


Apesar de tudo, este não é um texto sobre política. Mas o mínimo que se pode dizer é que vivemos tempos conturbados. São inúmeras as razões que contribuíram para tal, e, se a nossa situação presente se encontra reflectida nos astros, estes não são os culpados. Podem, no entanto, ajudar-nos a compreender melhor o pano de fundo, as potencialidades e a duração provável das crises globais que agitam o mundo.

Plutão está em Capricórnio desde 2008, e estará aí até 2023. Esta conjuntura forma o contexto “ideal” para os desenvolvimentos a que diariamente assistimos, e tem sido amplamente discutida pelos astrólogos. Mas neste instante ocorre outro fenómeno astrológico ao mesmo tempo fascinante e tremendo: uma quadratura exacta entre este Plutão em Capricórnio, e Urano, que está em Carneiro (com total precisão, o encontro dá-se a 20 de setembro).

Urano é o planeta que rege os movimentos de abertura à novidade, de quebra de hábitos, de mudança de valores e paradigmas, e a liberdade e independência. Plutão é "o grande transformador”, uma força profunda e poderosa, que uma vez activa nada pode deter; mas também simboliza o poder, nomeadamente o poder instituído, ou aqueles que têm poder sobre nós. 
 
Carneiro e Capricórnio são dois signos cardinais e de elementos considerados incompatíveis (terra e fogo). Carneiro tem a ver com começos, avanços, liderança, motivação, urgência, impaciência, e até agressividade. Capricórnio é do elemento terra - sólido, estruturado e sóbrio. 

Carneiro gosta de começar projectos, e Capricórnio está mais à vontade com a sua conclusão: não aprecia mudanças, apoia o poder e a ordem instituída, e trabalha de forma teimosa e persistente, às vezes subterrânea, para lentamente alcançar as suas metas. 
 
Se já é desconfortável a presença de Plutão, o destruidor, em Capricórnio, abalando as estruturas conhecidas e alterando planos (algo que Capricórnio não aprecia nada), imagine-se quando há um encontro pouco simpático (quadratura) entre este Urano desejoso de novidades, auxiliado pela energia pioneira e fogosa de Carneiro, e um Plutão poderosamente inquieto, aprisionado nas estruturas e nos planos relativamente rígidos de Capricórnio, que por sua vez se sente ameaçado com a energia em ebulição do planeta da morte e da renovação. 

Caso estivéssemos diante de uma conjunção dos dois planetas (um encontro harmónico), poderíamos esperar colaboração entre os ímpetos revolucionários de um e a capacidade de arrasar estruturas do outro. As mudanças na sociedade seriam imparáveis, semelhantes ao rio que transborda do leito e quebra todos os diques. Mas uma quadratura, que aliás já tivemos em Junho, e que voltaremos a enfrentar uma a duas vezes por ano nos próximos 3 anos, é diferente. Antes de mais, é um indicativo da forma como devemos ver os tempos que vivemos. Este é um encontro tenso, onde duas forças que poderiam colaborar com o mesmo propósito se confrontam numa luta de titãs. As mudanças serão inevitáveis, mas em vez de irromperem de uma vez, avançando como a onda de um tsunami, são contidas até ao limite explosivo. O combate entre as duas poderosas energias que neste momento se recusam a colaborar atrasa o processo, causando tensões e pressões quase insuportáveis e criando um enorme desafio à humanidade. 

Estas circunstâncias afectam sobretudo o mundo, globalmente, e os seus efeitos medem-se em gerações, visto que se trata de planetas lentos e impessoais. Mas quase todos, no fundo, sentimos os seus efeitos. Sabemos que é necessária uma mudança, tanto pessoal (individual) como colectiva. Urano dá-nos a consciência da necessidade de nos libertarmos dos velhos paradigmas, de condições opressivas, de limites demasiado restritos para o ser humano, e Carneiro empurra-nos para a acção, para as manifestações públicas, para uma inquietação que conduz, por vezes, à acção agressiva. Mas por outro lado o medo capricorniano da desestruturação obriga-nos (a nós e a quem nos governa), quase sempre inconscientemente, a tentar manter o status quo, apesar de todas as velhas instituições e formas de acção estarem já plutonicamente minadas por dentro e condenadas à destruição. Afinal, o lado negativo de Capricórnio representa as grandes sociedades económicas internacionais, os governos autoritários e os sistemas de pensamento totalitários, rígidos e esclerosados.

De forma geral, podemos talvez considerar que nesta fase da História o conjunto dos cidadãos é representado por Urano, e que Plutão é o campeão dos sistemas instituídos – governos, instituições financeiras, etc. 

Em tais circunstâncias, é escusado esperar colaboração entre ambos. A tensão e o extremar das posições não verão alívio, mas antes serão levados ao limite, até que todo o sistema colapse, para ser então substituído por formas novas. 

Porém, nem tudo é cinzento. Uma vez que Urano, ao entrar em Carneiro, começou um ciclo novo (Carneiro é o primeiro signo do zodíaco), e cada ciclo uraniano dura cerca de 84 anos, podemos esperar que a sua mensagem saia vitoriosa, embora tal só aconteça depois de um parto longo e difícil. Por outro lado, Plutão não é apenas o senhor da morte e da destruição, mas igualmente do renascimento e da regeneração. Uma vez passados os tempos difíceis, ser-nos-á dada a hipótese de habitar um mundo novo.

Não vale a pena perder tempo a lamentar a forma árdua e penosa na qual o futuro nos chega. Estas são as circunstâncias mais adequadas à situação que criámos no passado, e temos de as viver até à sua culminação. Vale a pena, isso sim, compreender o esquema geral para nele colaborarmos, em vez de contribuirmos para tornar tudo ainda mais difícil. É chegado o tempo de nos unirmos contra o verdadeiro “inimigo”, que é o medo da mudança, a estreiteza de mentalidades e o apego ao passado. Cada um terá de enfrentar estes desafios dentro de si, nas suas circunstâncias de vida particulares – todas tão distintas – e todos teremos de os enfrentar no exterior, onde ocupamos o mesmo barco. É fundamental aproveitar estes tempos para rever a forma como estamos presentes no mundo, como nos relacionamos com a nossa comunidade, com a sociedade e com a Humanidade como um todo, que tipo de participação queremos ter na construção do futuro, e qual o nosso grau de responsabilidade pessoal e social.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O tempo dos frutos maduros



Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que  se deseja debaixo do céu (Ecl. 3:1).

No hemisfério norte fazemos habitualmente um período de férias em pleno verão, em torno do mês de Agosto. Procuramos aproveitar assim os dias longos e o calor, propícios à vida ao ar livre, ao usufruto da natureza, ao lazer, à sociabilidade e à exteriorização. Porém, partimos de um pressuposto incorrecto quando associamos o tempo quente ao repouso e ao dolce far niente, guardando todas a iniciativas para o outono. É verdade que a isso somos quase forçados pelos calendários oficiais; mas a realidade que a natureza revela é outra.

A energia do verão é da natureza do fogo, como bem sabemos. As cores do verão são quentes, tal como o ar; a pele arde debaixo do sol, os incêndios lavram sem misericórdia, e todos procuram sombras e humidade. A sua força conduz ao crescimento máximo de todos os jovens rebentos e crias da primavera, que devem estar fortes e desenvolvidos para suportar os rigores do próximo inverno. Na natureza, tudo atinge a sua plenitude no verão – as árvores oferecem os seus frutos naturalmente amadurecidos, a terra dá espigas pejadas de grão. Este é o tempo da revelação, da sensualidade à flor da pele, da alegria e do riso. 

A energia vibrante do verão está relacionada com a maturação, ou com a maturidade do Ser. O fruto tímido da primavera precisava da árvore para crescer, mas está agora plenamente desenvolvido. Já não precisa da seiva que o alimentava, e se não for colhido cairá por si próprio, de forma a espalhar as sementes e continuar o seu ciclo. O verão corresponde ao ser humano adulto e completo, capaz de pensar por si, de cuidar de si e de criar e manter uma família. 

Embora seja fácil compreender que todos os tipos de energia são necessários e devem estar em equilíbrio, há épocas em que uma destas formas deve naturalmente dominar. No início da vida somos governados pela energia primaveril, que rege o nascimento, a infância e a juventude de todos os seres. Depois, precisamos deste tipo de energia estival, quente e voltada para o exterior para sermos seres independentes e auto-suficientes. Mais tarde devemos entregar-nos à energia do outono, que nos exorta a deixar partir tudo o que já não pertence nas nossas vidas, aligeirando as cargas supérfluas tal como as árvores deixam cair as folhas. Perdemos o ardor com o qual competíamos no mundo, na profissão ou no amor. Vemos os filhos sair de casa, trocamo-la por uma casa mais pequena, deixamos para trás muitas ilusões e desejos vãos. Por fim, é tempo de aceitar a energia do inverno, que pede silêncio, lentidão e interioridade. Se soubermos viver com as estações, este é o tempo de reflexão, da meditação e do encontro com o Ser, finalmente despojado de todos os acessórios inúteis.

Portanto, a energia do verão deve ser mais forte durante o “verão” das nossas vidas, quando nos afirmamos na profissão, fundamos um lar e criamos a nossa própria família, e nos definimos diante da comunidade. Esta será sempre uma etapa mais penosa para aqueles em quem o “fogo” vital é fraco (embora o seu excesso traga iguais dificuldades). A vivência consciente do verão pode ser um bom auxílio para quem se sinta carente desta energia fogosa, afirmativa e extrovertida, sem a qual não podemos revelar-nos ao mundo, atingir a plenitude do nosso ser social, oferecer os nossos dons à comunidade, criar e dar substância aos sonhos e encontrar um “lugar ao sol”.

Que o sol que brilha no céu seja a nossa inspiração para estes dias. Que a sua luz nos guie todas as manhãs, e o seu calor nos embale todas as noites. Que a sua energia nos conduza para fora de nós próprios, em direcção as outros. Que possamos colher maduros os frutos que semeámos, desfrutando deles entre aqueles que amamos. Que todos os nossos sentidos despertem e a alegria jorre para a nossa vida.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Lua Nova em Caranguejo



Este mês a Lua Nova ocorrerá no dia 19 e no grau 27 do signo de Caranguejo/Câncer, onde o sol está até dia 21.

A lua é o regente do signo de Caranguejo, encontrando-se aí na sua própria casa, onde se pode expressar sem constrangimentos e revelar a sua natureza fundamental. A natureza lunar é fortemente emocional, tendencialmente dependente, apegada, afectuosa, criativa, sensível (até ao excesso), centrada no lar, filhos, família e passado, e carente de intimidade e segurança material e emocional. No signo de Caranguejo aprendemos o significado do serviço ao próximo no seu aspecto feminino, o de cuidar, nutrir e confortar. Aqui se faz de uma casa um lar e de um grupo de pessoas uma família. Sob a influência da lua, tudo o que está em potência – seja um bebé, uma planta em rebento, ou um projecto profissional – é sustentado e gentilmente conduzido à realização.

O elemento da lua (e do signo de Caranguejo) é a água. Tal como os outros elementos, a água tem características muito específicas, todas essencialmente femininas e duais. A sua fluidez evoca uma forma suave, graciosa e intuitiva de viver, mas capaz de se tornar caótica e violenta em certas circunstâncias; o seu poder, tal como o das deusas irmãs Kali (a destruidora) e Ganga (a dadora de vida) da mitologia hindu, é tão criativo como aniquilador. A delicadeza de uma gota deslizando pode escavar uma rocha ou corroer o metal, provando o poder aparentemente paradoxal da constância (aquilo que se mantém) e do tempo (aquilo que muda), e a força intrínseca de tudo o que é aparentemente fraco. É portanto um símbolo universal da mutabilidade e da transformação, estando isto também ligado à sua capacidade de limpar o que está sujo através do método da dissolução, a segunda operação principal da alquimia. Ao nível da psique, a água representa o inconsciente, a estrutura feminina e não-racional da mente onde as emoções são purificadas dos seus elementos inferiores. Também o jogo entre superfície e profundidade do oceano evoca a relação entre o consciente e o inconsciente, atingindo-se este último através do mergulho na fria escuridão das suas águas, cujo conhecimento equivale ao domínio de um imenso potencial de energia. Este potencial desconhecido é associado com tudo o que é oculto, profundo, escuro e misterioso, como a magia ou o sonho.

Carta do baralho de tarot Symbolon, por Ingrid Zinnel, Peter Orban e Thea WellerA combinação do sol e da lua em Caranguejo conduz-nos ao mergulho nas águas profundas do inconsciente, onde residem a intuição, o sonho, a memória e a criatividade. Por sua vez, a fase da Lua Nova ou Negra permite trazer ao consciente o conteúdo oculto do inconsciente, de forma a resolver a divisão da psique humana. Durante uma Lua Nova o sol ilumina a face escondida da lua, que representa as sombras ou os aspectos recalcados do nosso ser integral. Assim, embora qualquer lua em Caranguejo vá activar o arquétipo da mãe amorosa e protectora, a fase Negra revela sobretudo as áreas da vida onde este arquétipo está ausente, ou onde é necessário reforçar a sua acção.

Uma Lua Nova em Caranguejo desperta a necessidade de nos sentirmos “em casa” em todas as áreas da vida, e de nos sentirmos apoiados e seguros. Se estivermos desterrados, sós ou vulneráveis em qualquer aspecto, esses sentimentos (que podem ser muito antigos) virão à superfície, obrigando-nos a procurar o nosso lugar no mundo – o que muitas vezes se traduz na necessidade de confirmar o espaço que realmente ocupamos na vida daqueles que nos rodeiam. A impossibilidade de o fazer, ou o não-reconhecimento desta urgência, pode despertar no nosso corpo e psique sintomas de desconforto bem reais.

Por outro lado, nestes dias encontramos com mais facilidade a nossa natureza maternal e amorosa, e somos mais capazes de zelar por tudo aquilo que está em estado nascente na nossa vida. Isto funciona igualmente num sentido global: na fase de influência da Lua Nova em Caranguejo sentimos de forma premente a necessidade de cuidar e proteger quem depende de nós e o planeta no qual vivemos.

No que respeita ao cenário cósmico que enquadra esta Lua Nova, é importante saber que o astro faz uma quadratura (aspecto algo tenso, relacionado com bloqueios e obstáculos) com o planeta Saturno, o regente da ordem, das estruturas, das fronteiras ou limites, da disciplina e do método, das restrições e da demora/paciência. Saturno está em Balança, onde se encontra exaltado, o que significa que as suas qualidades naturais estão amplificadas. Quando a necessidade canceriana de se “sentir em casa”, de pertencer a um grupo e de ser recebido e acarinhado se encontra com a necessidade saturnina de definir limites e estruturar situações, podem surgir questões ligadas com a busca de segurança emocional junto dos outros, ou de alguém particularmente significante na nossa vida. Embora isto possa traduzir-se numa tendência para a consolidação e estruturação de relacionamentos, o aspecto tenso do encontro torna mais provável a confrontação com os obstáculos que nos mantêm afastados do ideal canceriano da segurança emocional. Uma vez que a lua e o signo de Caranguejo também governam a infância, a família e a memória (inclusivamente a memória genética), podermos descobrir que as dúvidas em relação ao lugar que ocupamos no mundo e no coração dos outros e à satisfação das nossas mais profundas necessidades emocionais resultam já de traumas antigos. Se for este o caso, esta é uma boa altura para tentar compreender melhor como as questões não resolvidas do passado nos afectam no presente.

Esta é também a altura adequada para expressar necessidades emocionais, embora convenha fazê-lo tendo em conta que Marte, o senhor dos conflitos, também está em Balança, tal como Saturno, e faz uma quadratura com o explosivo Plutão. Veremos testada a nossa capacidade de negociar relacionamentos pessoais e necessidades afectivas de forma assertiva, mas sem agressividade nem lutas de poder. Balança exige que sejamos justos na forma como lidamos com os outros, e favorece relações de equilíbrio, sem vencedores nem vencidos. A sua tranquila imparcialidade vem amenizar a emotividade da lua em Caranguejo, desde que não nos deixemos levar pela combatividade de Marte e pela impetuosidade de Plutão. Saturno em Balança reforça por sua vez a exigência de maturidade nos relacionamentos, confrontando-nos com a importância de sermos parceiros de confiança nas parcerias que estabelecemos.

Nesta Lua Nova, devemos estar atentos aos seguintes temas: as nossas necessidades emocionais, a forma como nos sentimos integrados e recebidos pelos nossos pares, o sentimento de pertença a um grupo, aquilo que nos faz sentir “em casa”, o relacionamento com os nossos pais e os nossos filhos, o relacionamento entre a nossa “criança interior” e a nossa “mãe interior”, a relação com a casa, a terra onde vivemos, as nossas propriedades materiais e o próprio planeta, os temas da insegurança emocional e material/financeira, a relação com a família, a capacidade de zelar pelo nosso bem-estar e pelo bem-estar dos que nos rodeiam, a expressão criativa, a capacidade de gerar e desenvolver projectos novos, o equilíbrio entre dar e receber, a importância de ser justo e razoável nas parcerias, e a capacidade de gerir harmoniosamente os conflitos pessoais.

Os riscos que corremos estão relacionados com os traços negativos de Caranguejo e da lua, particularmente a instabilidade emocional, o sentimentalismo, a hiper-sensibilidade, a irracionalidade, o ciúme desregrado e a auto-indulgência (incluindo o abuso de substâncias que promovem a fuga à realidade). É ainda necessário ter em conta as influências de Marte e Plutão, que podem transformar a assertividade em agressividade, particularmente nas áreas onde encontramos as limitações impostas por Saturno à nossa necessidade de segurança.

Como sempre, os dias seguintes à Lua Negra devem ser dedicados aos novos começos. É a altura perfeita para iniciar projectos e tomar decisões que promovam a transformação da nossa consciência e da nossa vida. É o momento de deitar novas sementes à terra, de renovar e regenerar aquilo que está enfraquecido, de nos livrarmos de um vício ou mau hábito, de mudarmos algo em nós ou no quotidiano, de fazer planos para o futuro.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Do amor de si ao Amor universal



Segundo o Antigo Testamento, Moisés recebeu as duas Tábuas da Lei com os Dez Mandamentos de Deus no sopé do Monte Sinai. O décimo primeiro mandamento foi dado por Cristo, e é enunciado desta forma: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. E esta é provavelmente a frase curta que menos pessoas conseguem ler até ao fim.

Amar ao próximo soa nobre, generoso, digno de louvor. Amá-lo como a nós mesmos significa desejar para ele o que queremos para nós, e também isto parece correcto e louvável. Mas é verdadeiramente disto que fala Cristo, e com ele todos os grandes mestres da humanidade? Podemos realmente ver o significado mais profundo desta frase simples e lapidar – que o amor ao outro parte do amor por nós próprios, e que sem este o movimento do coração em direcção ao “próximo” é impossível?

Falar no amor de si resulta sempre em duas formas de (in) compreensão: ou nos referimos ao “amor-próprio”, na acepção positiva que lhe dá a psicologia moderna, ou nos referimos a uma atitude egocêntrica e patológica. O amor-próprio é a auto-estima dos psicólogos, que diversas abordagens psicoterapêuticas pretendem reforçar. Este trabalho feito ao nível da psique, ainda que possa ajudar grandemente alguns pacientes, é na realidade um reforço das estruturas do ego, como se pode ver facilmente através do jargão utilizado: auto-expressão, auto-afirmação, auto-realização, e até “egoísmo positivo”. Fora deste contexto psicoterapêutico, prevalece a noção de que amar-se a si próprio antes de tudo é uma atitude basicamente egocêntrica, ou no mínimo com uma validade espiritual muito inferior ao caminho do amor ao próximo.

Mas o caminho é um só, e amar-se a si próprio antes de tudo não é o mesmo que amar-se a si próprio acima de tudo. O caminho principia com o amor de si (oposto do egocentrismo e da vaidade) e culmina no amor dos outros (Arnaud Desjardins). E a explicação para isto é muito simples. O amor verdadeiro é uma dádiva integral; não é um empréstimo, não é retomável, não cobra juros e não se dá pela metade. Amar não é para todos. Só pode amar quem tiver amor disponível e em abundância, para dar sem ter de pedir de volta e sem precisar de nada em troca. Só os ricos em amor podem amar. Os restantes – quase todos nós – são indigentes do amor, pobres mendigos que morreriam se dessem a sua única, preciosa migalha ao próximo. Somos buracos negros do amor, que sugamos a toda a volta. A nossa taça nunca está cheia, e portanto nunca transborda.

O amor de si é o primeiro acto de amor verdadeiro possível a um ser humano. “Amamos” os outros porque precisamos deles desesperadamente – filhos, pais, amigos ou amantes. Mas eles também não possuem amor para dar; quando muito poderão emprestá-lo, geralmente a juros, para tomá-lo de volta um dia. A única solução, que alguns têm a ventura de encontrar após muitas mágoas, é voltarmo-nos para o único ser que, de uma forma ou de outra, nunca nos abandonará: nós mesmos. A fonte do amor e da compaixão não está em nenhum lugar exterior.

Ama-te a ti mesmo para amares os outros (Thich Nhat Hanh). Amarmo-nos, com um amor verdadeiro, não é uma forma de egoísmo. Amarmo-nos é assumirmos a responsabilidade de encher a nossa própria taça, tanto que ela transborde, tanto que possamos enfim dar. Se o nosso corpo precisa de um pão para sobreviver, morremos se o dermos. Só o podemos dar se tivermos dois. Ainda que existam momentos nos quais se justifica que nos sacrifiquemos pelos outros, no dia-a-dia a nossa maior responsabilidade é para connosco; não por egoísmo, mas por dever, primeiro, e por amor, mais tarde. Porque cada um de nós é ao mesmo tempo o cuidado e o cuidador. Cada um de nós é o ser pelo qual somos plenamente responsáveis. E não somos plenamente responsáveis por mais ninguém – nem mesmo pelo filho recém-nascido que embalamos nas madrugadas. Também este é senhor do seu destino individual.

Ama o teu próximo como a ti mesmo. A dolorosa falta de amor do mundo não tem outra raiz senão a imensa falta de amor por nós mesmos. O sofrimento que nos causa a incapacidade de amar, muito mais profundo do que a carência de ser amado, só tem remédio no movimento que nos conduz em direcção a nós mesmos, e na total aceitação de quem somos. Este movimento interno que urge fazer, longe de ser egoísta, é a nossa única salvação. Quem se pergunta, às vezes de forma tão angustiada, como fazer para amar o seu próximo, tem aqui a sua primeira resposta. Amarás o teu filho quando tiveres embalado no teu coração a criança que foste; amarás a tua mulher quando tiveres honrado o homem que és; amarás o próximo quando te amares a ti mesmo.

É da condição humana que o amor por si desponte, tantas vezes, do sofrimento. Quem nunca se testou não se conhece, e quem não se conhece não se pode amar. Na verdade, o primeiro passo para o amor de si é em direcção ao conhecimento de si. Possa eu conhecer-Te, possa eu conhecer-me (Santo Agostinho). Ora, conhecer é estar de olhos abertos diante da verdade. É enfrentar as ilusões, as fantasias, os preconceitos, os “maus” sentimentos, o desamor, as sombras que existem em todos os seres humanos, e reconhecê-las por aquilo que são – uma parte de nós. Este é o caminho da honestidade, o único que abre as portas ao amor de si, e que nos levará a compreender o que significa amar o próximo como a nós mesmos: que nós e o próximo somos um.  

sábado, 30 de junho de 2012

Esta carta não está virada ao contrário

A minha avó é que achava que sim. Também não se trata de um rapaz que bebeu demais e agora tenta fazer o quatro, a ver se se equilibra. A minha avó, na verdade, achava que era um jovem de revoltos cabelos azuis e ar apático, a treinar para os Jogos Olímpicos de Moscovo, em 1979, com um fatinho adquirido numa loja popular de Bucareste.

Mas eu vou analisar a carta na posição correcta, com o XII por cima e o título em baixo: Le Pendu – O Dependurado.

Esta carta é muito minha conhecida. Passa a vida a sair-me e passa a vida a sair nas leituras das pessoas sérias deste mundo. Deve ter sido inventada ao mesmo tempo que a burocracia e as repartições de finanças.

Uma coisa que eu gostava de explicar é que a vida, sendo séria, não é assim tão séria. Outra, é que existem cerca de cento e vinte razões para uma pessoa se colocar de cabeça para baixo. Os Jogos Olímpicos de Moscovo, os Jogos Olímpicos de Los Angeles, os de Londres. Isto só no âmbito dos argumentos disparatados e sem lógica. Outra razão pode ser uma posição de ioga. Outra, uma pedrinha entalada na garganta e, virando-se a pessoa ao contrário, a pedrinha solta-se e é cuspida num raio de cinco metros. Outra, embora de repente isto não me faça sentido nenhum, pode ser uma quebra de tensão: pessoa outra vez virada ao contrário e, em dois segundos e meio, valores sistólicos normalizados. Mas, a mais plausível, talvez seja um amuo do género: “Agora não saio desta posição enquanto a Sara Raquel não voltar para mim e o dono do café não me readmitir ao serviço, na próxima segunda-feira”. Diga-se de passagem que com este espírito não se ganham medalhas de oiro nos Jogos Olímpicos, mas a mim não me cabe julgar a vida do rapaz.

E já me está a parecer que esta análise resvala para um certo simplismo.

Independentemente do corte e do colorido do seu fato e do seu tom de cabelo, a figura tem um dos pés atado por uma corda, real ou imaginária. E se há corda que nos ate os pés, se há corda que nos prenda o pé ao ramo de uma árvore, não pode haver alma que se sinta livre, nem coração que não pese no peito - só uma vontade de libertação que nos atravessa o cérebro no sentido dos quatro pontos cardeais.

Em todas as leituras que já realizei, o dependurado aparece aos que acreditam que a vida é difícil e que as coisas só se conseguem com sofrimento. Eu incluída. Também costuma surgir como aviso de complicações e de demoras. Também pode sentenciar que Carlos Manuel não gosta da consulente. Também costuma anunciar que são necessários 350 papéis para conseguir uma transferência de trabalho.

Mas, às vezes, o Dependurado não fala em nada destas coisas. A sua voz é macia e ele é um yogi, a avisar que não é necessário fazer nada. Que está tudo no destino e que, mesmo o tempo de espera, é um tempo preciso e precioso. Se a minha avó fosse viva diria que “o rapaz, afinal, faz tudo com uma perna às costas”. Também diria que era tempo de respirar fundo, de me inscrever numa nova modalidade desportiva, de pintar os cabelos de azul (esta parte é mentira), e de aguardar pelo momento certo, que é quando as coisas erradas não costumam acontecer.

Mas como a gerência é pragmática e eu é que mando neste texto, quero advertir para grandes secas: vá cedinho, tire a primeira senha e leve uma sanduíche de anchovas para comer às dez da manhã.

Não digo, como a minha amiga Patrícia, que o Dependurado é “um não redondo”. Mas aconselho a que, enquanto espera, repita mentalmente que a vida é simples, a vida é simples, a vida é simples e divertida. Talvez não venha a fazer muitos amigos na sala de espera do Instituto Gama Pinto, que é onde eu estou agora. Mas, tirando o labrador que veio guiar a dona, quem é que quer fazer um amigo que só sabe falar de dioptrias e outras matérias oftalmológicas que me esmagam de ignorância?

E com esta frase desagradável e pretensiosa acabo por hoje a minha mensagem de esperança.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Vénus olha em frente - e nós também


A 27 de Junho, e depois de 7 difíceis semanas, Vénus está finalmente voltada para diante (a aproximadamente 7º de Gémeos), alteração que deverá ser sentida em diversas áreas da vida. Vénus é um planeta “pessoal”, cujos trânsitos nos afectam individualmente, pelo que é natural que todos possam sentir, em maior ou menor grau, os efeitos do retorno do regente do amor, beleza e bens materiais ao movimento directo. É possível dizer que a maior parte do desconforto causado pelo recuo de Vénus já passou; à revisão forçada dos aspectos mais fracos ou negativos das áreas iluminadas pelo planeta (os nossos relacionamentos com os outros, com o prazer e com os bens materiais, de forma muito resumida) segue-se agora o momento de encaixe das lições aprendidas, quando nos adaptamos a eventuais mudanças e novas dinâmicas.

Quem fez o trabalho que Vénus exigia está de parabéns, e precisa apenas de mais um pouco de paciência: Vénus faz neste momento um quincúncio (ou inconjunção) com Plutão, aspecto tenso que destaca, por um lado, as transformações (plutónicas por natureza) eventualmente resultantes do período retrógrado de Vénus, e por outro as necessárias crises que tais mudanças podem trazer à nossa vida, enquanto lutamos para nos ajustar a um novo paradigma. Se nos esforçámos por encontrar a nossa verdade e segui-la, não é preciso ter medo – mais cedo ou mais tarde veremos que estas mudanças serão para melhor. Os quincúncios também sugerem aspectos cármicos, sendo importante estar atento ao que trazemos em nós de medos, limitações auto-impostas e reacções instintivas (e não intuitivas). Estes aspectos possibilitam a superação de tais restrições, permitindo-nos crescer e descobrir novas possibilidades e novos padrões para a nossa vida – e, neste caso, para os nossos relacionamentos e a forma como lidamos com as finanças pessoais, acima de tudo.

Muitos de nós podem mesmo descobrir que, embora muito pessoais, estas transformações – seja nos relacionamentos íntimos, seja na forma como lidam com os bens materiais e com o verdadeiro significado de prosperidade, seja na relação com o feminino dentro de si e no mundo, ou em qualquer outra área venusiana – estão ligadas a um esquema mais largo, até mesmo universal. Alguns perceberão que as suas “pequenas” mudanças interiores estão em sintonia com uma mudança maior, com uma verdadeira alteração de orientação dos hábitos e das mentalidades. É que este retorno de Vénus ao movimento directo acontece entre dois fortes momentos “uranianos”, uma a 24 de Junho (quando Urano faz uma quadratura com Plutão) e outro a 29 de Junho (quando o Sol oposto a Plutão faz uma quadratura com Urano). Os dois momentos estão relacionados e prometem alterações de consciência em grande escala, bem como um enfoque na auto-confiança e na capacidade de expressão do Eu (o Sol) e na descoberta de novos paradigmas nos relacionamentos íntimos – que talvez se tornem mais baseados na confiança mútua, na liberdade pessoal e na partilha de coração aberto, e menos no ciúme, na insegurança e no medo. Adivinham-se relações mais amorosas e amadurecidas…

Para compensar dos possíveis momentos tensos que algumas relações podem ter vivido durante o período retrógrado de Vénus, os céus parecem dar-nos agora um “rebuçado”. Na primeira metade de Julho, um sextil - aspecto harmónico - entre Vénus e Mercúrio facilita a comunicação e a partilha de ideias e sentimentos; ampliado pelo (também) sextil entre Vénus e Urano de 5 de Julho, este aspecto passa a trígono, igualmente auspicioso, e promove o crescimento da consciência no campo dos relacionamentos.

No final do período retrógrado, que na realidade só termina no fim de Julho (quando o planeta ultrapassa finalmente o ponto onde estava quando o seu movimento se tornou aparentemente invertido), Vénus fará um outro trígono, desta vez com Saturno, o planeta da maturidade. Para quem lidou honestamente com as lições de Vénus retrógrado, este é o momento de começar a ganhar consciência das recompensas: uma relação mais equilibrada, responsável, amorosa e madura com os outros (ou com um outro em especial), com as finanças pessoais, com a abundância da natureza e do Universo, com o equilíbrio e a beleza nas nossas vidas, etc.

domingo, 24 de junho de 2012

As leituras de Tarot e a Imperatriz

Comecei a fazer leituras de Tarot há cerca de seis anos. Não que sentisse uma grande apetência pelo oráculo. Era mais para ver quantos namorados iria ter e se seriam giros. E também porque tinha um amigo que utilizava o baralho compulsivamente. Lia todos os livros; disponibilizava-se, louco de alegria, a consultar toda a gente; perseguia de modo assustador todo aquele que não mostrasse o menor interesse em saber do seu estado civil daí a uma década; e treinava assiduamente comigo, porque passávamos muito tempo juntos.

As previsões que ele me fazia eram sempre aterrorizadoras. Fosse eu dada ao suicídio e não estaria agora a escrever este texto - há muito teria sido encontrada, morta, enforcada, no ramo de uma figueira, a norte de Jerusalém.

Nenhuma área da minha vida estava destinada a resultar. Foi por isso que eu comecei a reparar nas cartas e a minha curiosidade ultrapassou o meu amor ao mistério. Porque eu adorava a sensação de não perceber nada do assunto. E ainda adoro. Mas o meu futuro era demasiado triste e, tanta desgraça, começou a parecer-me um exagero. Mesmo para uma vida como a minha, que nunca foi exemplo de sucesso.

Havia cartas muito bonitas e com nomes sugestivos. Uma vez saiu-me a Estrela. E eu perguntei ao meu amigo: - O que é que significa a Estrela?

- Significa esperança. - respondeu ele.

Até hoje acontece-me confundir as duas palavras. Perguntei-lhe: - Isso é bom, não é?

- Não, porque saiu aqui na casa das emoções e as emoções não são coisas concretas. O que eu vejo, aqui, é que tu querias estar bem, mas não estás.

- Ah.

E foi assim que eu comecei a ler Tarot. A ver as cartas todas, com atenção. A treinar leituras. A organizar promoções de leituras, que consistiam em perseguir a família, também de modo intimidante (este método tende a ser um clássico), tentando incutir-lhes alguma curiosidade acerca da banalidade dos seus futuros. E dos seus presentes. E das suas emoções enquanto coisas não concretas. 

O meu público era tão pouco exigente que ficava muito satisfeito se eu não lhe previsse uma gripe ou uma dor de dentes ou um calo na planta do pé. E era tão pouco generoso que ficava ainda mais satisfeito por não me pagar um cêntimo. No fundo dos seus estranhos corações a telenovela estava muitos níveis acima do Tarot. Mas isso é o tipo de coisa de que uma pessoa só se arrepende perto da hora da morte e, seja lá como for, eu já lhes perdoei tudo. 

Mesmo quando me tratarem por Madame, e eu fizer consultas em directo, na televisão, não vou renegar as minhas origens de sobrinha de um senhor que não teve calos e de filha única de um casal que nunca gastou dinheiro em kleenexes. Sabiam que lenços de assoar em espanhol se diz pañuelos? Mas isso já é cultura geral e uma história do âmbito do amor.

E foi então que surgiu a Imperatriz na minha vida. Curiosamente, é uma carta que não surge muito nas minhas leituras. Lembro-me da sua imagem, no Tarot de Raider-Waite, com um vestido com padrão de romãs, e de ter tido uma sensação de vida, de alegria e de Verão. Eu por acaso passo a vida a sentir este tipo de coisas, mas foi fascinante senti-las perante uma carta de Tarot. Tornou-se a minha carta preferida, para sempre.

 Para mim, o significado da Imperatriz é o de uma mulher que se conhece a si própria, que é capaz de desenvolver todo o seu potencial, que está muito viva e é muito criativa. 

Mas o que eu gosto mais é de olhar para a carta como um espelho. Um espelho do consulente. 

E a mensagem pode ser: sabes que és mesmo fantástica, ou mesmo fantástico? Ou então: sabes que tens dentro de ti o potencial que eu também tenho? A alegria do Verão? A liberdade de vestir um vestido com padrão de romãs? A possibilidade de seres totalmente livre e um pouco louca? A alma pirosa que te incita a escrever todo um parágrafo com pontos de interrogação, porque és mais preguiçosa que as searas do Alentejo numa tarde de Agosto? A cara de pau que te permite assumir isso sem um rasgo de esforço, para ficar um textozinho mais composto?

O que eu acho que nos diz a Imperatriz é que, se nos elevarmos do chão, as coisas tornam-se mais pequenas. E, quando as coisas chatas se tornam pequenas, o mundo fica muito mais confortável. A Imperatriz gosta de conforto. A Imperatriz é um bocado snob. A Imperatriz é muito sábia. E eu, com este texto, já ganhei o prémio banalidade, o prémio evidência e o prémio Ary dos Santos, pela metáfora das espigas.

E agora ia escrever um bocadinho sobre outros significados atribuídos a esta carta, porque estes foram quase todos inventados por mim. Mas acontece que fiz uma gelatina de morango e está a apetecer-me ir come-la toda. Talvez volte mais tarde, com os outros significados. 

E brevemente também vou escrever um texto sobre o Enforcado, que é uma carta um bocado antipática para toda a gente, menos para a minha amiga Sílvia, que tem um projecto secreto de fabricar peluches em forma de Enforcado. Na verdade, talvez seja só um homem a fazer ioga, muito seguro do seu destino.

Desculpem se fui muito chata. Ah! E aceito perguntas nos comentários. E faço consultas no chat do Facebook. E vou pedir à Maryam para pôr aqui uma ilustração fantástica. Voltem mais tarde para ver a ilustração, que eu agora já só consigo pensar na gelatina. 

Editado: Maryam acaba de publicar a devida ilustração, para que a nossa taróloga preferida possa ir comer a sua gelatina.