Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis
A Austrália, e
através dela todo o mundo, viveu nas primeiras horas de hoje, dia 14 de
Novembro, um eclipse solar total. O eclipse solar potencia sempre uma tendência
para uma viragem interior, obscurecendo a luz diurna, que revela as aparências
mas esconde as essências, e fortalecendo a penumbra nocturna, que permite a
viagem inversa. Não é verdade que a luz do sol revela o mundo, mas vela o céu, enquanto
a noite cobre o mundo mas descobre as estrelas? Cada eclipse solar dá-nos
justamente a oportunidade de ver, em pleno dia – ou seja, quando a nossa consciência
está desperta – o que está habitualmente oculto.
E se um eclipse
solar já é, em si próprio, um portal entre o consciente e o inconsciente, imagine-se
o poder que terá quando este portal se abre no signo de Escorpião, aquele que
habita as águas profundas do inconsciente, regido pelo próprio Plutão, senhor dos
mundos subterrâneos e dos poderosos processos ocultos da vida e da morte.
Plutão é muitas
vezes temido pela sua associação com a morte e a destruição, mesmo quando
sabemos que rege igualmente os processos de regeneração. Naturalmente, todo o
ser vivo teme, acima de tudo, a aniquilação; mas aquilo que os homens temem em
Plutão é pelo menos tão assustador, se não mais, do que a morte física: é a
morte do Ego. Nenhuma terapia ou livro de auto-ajuda nos pode preparar para a
realidade desta forma de aniquilação daquilo a que estamos habituados a
reconhecer como a nossa identidade, a nossa persona,
a soma de tudo o que somos. A promessa de um eventual renascimento não é
suficiente para acalmar o pavor atávico da perda de si próprio, da cedência de
controlo, da queda livre no desconhecido. Como o reflexo instintivo e involuntário
que leva o recém-nascido a tentar agarrar-se a algo logo que pressente a
possibilidade de uma queda desamparada, assim reagimos nós diante da proposta
de Plutão.
Mas o caminho
que Plutão indica é na verdade o único que conduz ao nosso íntimo, ao mais
profundo de nós mesmos. Se o pudéssemos recusar, nunca encontraríamos o âmago do
nosso ser, o lugar onde nasce e se enraíza a nossa essência humana, e o ponto
de contacto com a nossa essência divina. Porém, embora não possamos recusar os
processos plutonianos à medida que estes surgem nas distintas áreas da nossa
vida, podemos sempre escolher vivê-los sem consciência e sem colaboração – o que,
sendo compreensível do ponto de vista humano, é, a todos os níveis, uma pena.
O eclipse solar
em Escorpião é, portanto, uma luz que se fecha para o mundo e se abre para dentro,
convidando a uma viagem interior iluminada pelo sol da consciência, que não
costuma brilhar nessas frias paragens. O único conselho ajuizado será, pois, o
de aproveitarmos esta oportunidade para tentar mergulhar nos domínios profundos
do inconsciente à procura dos grandes temas escorpiónicos da vida psíquica, da sexualidade
e das reservas de energia vital, considerados na sua dimensão oculta,
irracional, e tantas vezes recalcada – a nossa sombra.
Esta “sombra”,
como a sombra fugidia de Peter Pan, deve ser conquistada e reclamada pela
consciência, se queremos ser inteiros.
Nela estão armazenadas as nossas reservas energéticas mais profundas, esse
negro petróleo gerado a partir das experiências mais antigas que fossilizaram
na nossa psique sob a acção transmutadora das “infernais” pressões plutónicas. Tal
como na analogia alquímica, que procura o ouro luminoso a partir da purificação
da poderosa matéria negra arrancada ao centro da terra, trata-se de trazer à
luz da consciência o nosso repositório de emoções reprimidas, medos, pulsões primitivas,
desejos recalcados e negações. Iluminadas, as trevas deixam de existir, e
revelam-se na sua derradeira verdade: como nada. A consciência expandida passa
a ocupar todo o espaço dentro de nós, abrangendo agora a plenitude do Ser integral.
Este processo
de integração e completude, esta vitória sobre a dualidade, só podem ser entendidas
como o limite, mais virtual do que real, de um processo cujo fim está fora do
tempo. No entanto, podemos vivenciar “pequenos” processos de integração do Ser à
medida que lidamos com as influências de Plutão e nos aventuramos corajosamente
nos seus reinos sombrios, com o auxílio dos clarões de luz que o Universo, como
uma graça, acende diante de nós – como este eclipse tão bem testemunha.
Morre antes da tua morte, diziam os sábios sufis. De cada pequena morte, de
cada rendição, de cada mergulho no mar profundo do inconsciente resultará um
ser renovado. Assim é no domínio plutónico da sexualidade, onde é bem conhecida
a metáfora da “pequena morte”, que simboliza a entrega total, única via para a
transmutação do sexo “normal” em acto divino, fusão cósmica, ultrapassagem da
dualidade física. Assim é no domínio plutónico dos reservatórios de poder, como
os recursos materiais, onde só a total confiança permite conhecer a abundância dos
lírios do campo, que não trabalham nem fiam, e porém nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles
(Mt. 6:2).
Este é, pois, o momento certo para nos abrirmos à
intuição, para darmos voz à nossa voz interior. Para retirarmos, pelo menos por
algum tempo, o nosso foco do mundo e o voltarmos para dentro. Para desligar a
televisão, fechar o jornal e meditar um pouco. Para fazer silêncio. Para deixar
falar o corpo e, através dele, o inconsciente. Para deixar fluir a vibrante
energia da sexualidade, que é fonte de vida sob todas as suas formas. Para
alargar um pouco mais os limites do nosso ser, aceitando um pouco mais da nossa
natureza sexual e dos desejos que habitualmente recalcamos. Para acreditar na
abundância, energética e material, que o Universo oferece àqueles que não se
auto-limitam. Para nos predispormos ao encontro connosco mesmos, e ao resgate
da nossa totalidade.
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