domingo, 24 de junho de 2012

As leituras de Tarot e a Imperatriz

Comecei a fazer leituras de Tarot há cerca de seis anos. Não que sentisse uma grande apetência pelo oráculo. Era mais para ver quantos namorados iria ter e se seriam giros. E também porque tinha um amigo que utilizava o baralho compulsivamente. Lia todos os livros; disponibilizava-se, louco de alegria, a consultar toda a gente; perseguia de modo assustador todo aquele que não mostrasse o menor interesse em saber do seu estado civil daí a uma década; e treinava assiduamente comigo, porque passávamos muito tempo juntos.

As previsões que ele me fazia eram sempre aterrorizadoras. Fosse eu dada ao suicídio e não estaria agora a escrever este texto - há muito teria sido encontrada, morta, enforcada, no ramo de uma figueira, a norte de Jerusalém.

Nenhuma área da minha vida estava destinada a resultar. Foi por isso que eu comecei a reparar nas cartas e a minha curiosidade ultrapassou o meu amor ao mistério. Porque eu adorava a sensação de não perceber nada do assunto. E ainda adoro. Mas o meu futuro era demasiado triste e, tanta desgraça, começou a parecer-me um exagero. Mesmo para uma vida como a minha, que nunca foi exemplo de sucesso.

Havia cartas muito bonitas e com nomes sugestivos. Uma vez saiu-me a Estrela. E eu perguntei ao meu amigo: - O que é que significa a Estrela?

- Significa esperança. - respondeu ele.

Até hoje acontece-me confundir as duas palavras. Perguntei-lhe: - Isso é bom, não é?

- Não, porque saiu aqui na casa das emoções e as emoções não são coisas concretas. O que eu vejo, aqui, é que tu querias estar bem, mas não estás.

- Ah.

E foi assim que eu comecei a ler Tarot. A ver as cartas todas, com atenção. A treinar leituras. A organizar promoções de leituras, que consistiam em perseguir a família, também de modo intimidante (este método tende a ser um clássico), tentando incutir-lhes alguma curiosidade acerca da banalidade dos seus futuros. E dos seus presentes. E das suas emoções enquanto coisas não concretas. 

O meu público era tão pouco exigente que ficava muito satisfeito se eu não lhe previsse uma gripe ou uma dor de dentes ou um calo na planta do pé. E era tão pouco generoso que ficava ainda mais satisfeito por não me pagar um cêntimo. No fundo dos seus estranhos corações a telenovela estava muitos níveis acima do Tarot. Mas isso é o tipo de coisa de que uma pessoa só se arrepende perto da hora da morte e, seja lá como for, eu já lhes perdoei tudo. 

Mesmo quando me tratarem por Madame, e eu fizer consultas em directo, na televisão, não vou renegar as minhas origens de sobrinha de um senhor que não teve calos e de filha única de um casal que nunca gastou dinheiro em kleenexes. Sabiam que lenços de assoar em espanhol se diz pañuelos? Mas isso já é cultura geral e uma história do âmbito do amor.

E foi então que surgiu a Imperatriz na minha vida. Curiosamente, é uma carta que não surge muito nas minhas leituras. Lembro-me da sua imagem, no Tarot de Raider-Waite, com um vestido com padrão de romãs, e de ter tido uma sensação de vida, de alegria e de Verão. Eu por acaso passo a vida a sentir este tipo de coisas, mas foi fascinante senti-las perante uma carta de Tarot. Tornou-se a minha carta preferida, para sempre.

 Para mim, o significado da Imperatriz é o de uma mulher que se conhece a si própria, que é capaz de desenvolver todo o seu potencial, que está muito viva e é muito criativa. 

Mas o que eu gosto mais é de olhar para a carta como um espelho. Um espelho do consulente. 

E a mensagem pode ser: sabes que és mesmo fantástica, ou mesmo fantástico? Ou então: sabes que tens dentro de ti o potencial que eu também tenho? A alegria do Verão? A liberdade de vestir um vestido com padrão de romãs? A possibilidade de seres totalmente livre e um pouco louca? A alma pirosa que te incita a escrever todo um parágrafo com pontos de interrogação, porque és mais preguiçosa que as searas do Alentejo numa tarde de Agosto? A cara de pau que te permite assumir isso sem um rasgo de esforço, para ficar um textozinho mais composto?

O que eu acho que nos diz a Imperatriz é que, se nos elevarmos do chão, as coisas tornam-se mais pequenas. E, quando as coisas chatas se tornam pequenas, o mundo fica muito mais confortável. A Imperatriz gosta de conforto. A Imperatriz é um bocado snob. A Imperatriz é muito sábia. E eu, com este texto, já ganhei o prémio banalidade, o prémio evidência e o prémio Ary dos Santos, pela metáfora das espigas.

E agora ia escrever um bocadinho sobre outros significados atribuídos a esta carta, porque estes foram quase todos inventados por mim. Mas acontece que fiz uma gelatina de morango e está a apetecer-me ir come-la toda. Talvez volte mais tarde, com os outros significados. 

E brevemente também vou escrever um texto sobre o Enforcado, que é uma carta um bocado antipática para toda a gente, menos para a minha amiga Sílvia, que tem um projecto secreto de fabricar peluches em forma de Enforcado. Na verdade, talvez seja só um homem a fazer ioga, muito seguro do seu destino.

Desculpem se fui muito chata. Ah! E aceito perguntas nos comentários. E faço consultas no chat do Facebook. E vou pedir à Maryam para pôr aqui uma ilustração fantástica. Voltem mais tarde para ver a ilustração, que eu agora já só consigo pensar na gelatina. 

Editado: Maryam acaba de publicar a devida ilustração, para que a nossa taróloga preferida possa ir comer a sua gelatina.

2 comentários:

  1. Adorei o texto deliciosamente salpicado de humor, que me fez sorrir o tempo todo:) E gostava de uma consulta!

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    1. Podes enviar-me uma mensagem, Isabelle? O e-mail é margotpatricio@gmail.com. Depois combinamos a leitura. E muito, muito obrigada por teres gostado.

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