quinta-feira, 15 de março de 2012

Limpezas da Primavera - para limpar a casa e a alma

Iluminura medieval - Dama no jardim
Até há algumas décadas, uma publicação destinada ao público feminino dedicaria uma larga parte do seu conteúdo à limpeza e organização do lar. Hoje em dia, pelo contrário, muitas mulheres ficariam ofendidas diante da sugestão de que a arrumação da casa lhes pertence por norma – a não ser que vivam sozinhas, como é evidente. Mas a nossa casa é muito mais do que uma série de quartos partilhados (ou não) com a família mais íntima. A nossa casa é também aquilo que ela representa nos nossos sonhos: uma imagem dos vários aspectos de nós próprios (um carro, por outro lado, representa nos sonhos o nosso corpo e a nossa capacidade de dirigir e controlar a própria vida).
A nossa casa reflecte a nossa vida, e é um espelho do estado do nosso ser, da nossa mente e das nossas emoções. Mas o contrário é igualmente verdadeiro: a nossa mente e as nossas emoções também reflectem o estado da nossa casa, e é graças a isso que as limpezas são terapêuticas, como bem sabemos. Já Aristóteles afirmava que o que é produzido no microcosmo também se produz no macrocosmo, e não há dúvida de que ao limpar a casa também se “limpam” a alma, a mente e as emoções. Deitar fora objectos que evoquem memórias menos agradáveis do passado pode ajudar a devolver-vos uma presença mais forte no presente (na verdade, objectos que evoquem memórias muito agradáveis também contribuem para nos prender ao passado – se as experiências más são cadeias de chumbo, as experiências boas são cadeias de ouro). Para mais, o planeta Mercúrio inicia o seu movimento retrógrado a 12 de Março, trazendo de volta questões antigas que exigem resolução, e sugerindo-nos uma incursão aos baús empoeirados – os reais e os da memória.
A 20 de Março o Sol entra em Carneiro, marcando a entrada da nova estação, e empurrando-nos com mais força ainda para as grandes limpezas da primavera – exteriores e interiores. Este impulso será amplificado no dia 24 pela conjunção entre Urano e o Sol. Como o fim do mês será talvez um pouco mais cansativo, aproveitem bem estes dias!
Mas antes de começarmos as arrumações, aproveitando a energia e o embalo da Primavera, seria útil começar por olhar à volta e observar com atenção o retrato instantâneo que nos é oferecido pelo estado da casa. Não interessa se ainda não deu para fazer a cama, ou se esta semana a pilha de roupa se amontoou: no fundo, todas sabemos o que costuma “andar” e o que está há muito estagnado. Mas é importante ter atenção aos detalhes, muitas vezes bem reveladores – e ás vezes tirar uma foto ajuda muito na altura de fazer uma análise desapegada do cenário.
Como está cada quarto?
Se está desarrumado, diriam que é “vivido” ou caótico? Está sujo? Serve de arrumação para objectos que não pertencem aí? Existe desarrumação oculta?
Se está arrumado, tentem perceber se a ordem pode ser entendida como excessiva – por exemplo, pode parecer um museu, ou estar tão imaculado quanto um quarto de hospital – ou se é simplesmente organizado.
Sentem-se representadas nele? Se for partilhado, reflecte e serve bem a todas as pessoas que nele dormem, ou reflecte principalmente o gosto de uma delas? Investem nele o suficiente, ou está um pouco abandonado, talvez desolado, com paredes ou chão despidos? É confortável? Sentem-se em casa nele? Apetece estar na sala de estar? Dorme-se bem no quarto de dormir?
Quarto a quarto, podemos descobrir assim que partes da nossa vida precisam de um toque (ou de uma larga campanha de obras). Para alguns, o seu quarto de dormir é o centro de tudo; outros reservam-no para o sono e investem principalmente na sala, ou fazem da cozinha o cerne da vida familiar. Porém, todas as dependências devem ter um lugar equilibrado nas nossas casas, da mesma maneira que é preciso na nossa vida equilibrar a profissão, os amigos e a vida social, a intimidade, a família, a relação de casal, a relação com os filhos, os espaços e momentos de lazer, a privacidade e a vida interior, o cuidar do corpo, a saúde e a nutrição.
Se nos queixamos de não ter ou de não conseguir fazer prosperar uma relação a dois, ou uma vida social satisfatória, entre outros exemplos, podemos começar por olhar à volta e identificar as zonas onde nos estamos a boicotar a nós mesmos. Dizer que se deseja um grande amor, mas manter no quarto uma cama de solteiro, ou encher cada canto com tralha nossa, não deixando qualquer espaço para o outro, não significa tanto que a energia da casa vá afastar um potencial candidato – embora isso também possa acontecer – mas significa certamente que algures dentro de nós a vontade de partilhar não é mais forte do que o egocentrismo, a territorialidade, ou até o medo da entrega. Instalar uma cama de casal, esvaziar simbolicamente uma gaveta, moderar as manifestações excessivas dos nossos gostos pessoais, nada disto é um remédio milagroso, espécie de mezinha que vai trazer uma alma gémea à nossa porta, mas é pelo menos uma demonstração do nosso empenho em abrir a casa e a vida, e da nossa consciência aumentada.
Também não parece muito coerente lamentarmos os quilos a mais, a energia em baixo ou a saúde instável enquanto a nossa cozinha for o espaço mais negligenciado da casa. Não se trata apenas da sujidade ou da desarrumação; uma despensa ou um frigorífico vazios, ou então cheios de alimentos pouco saudáveis e nutritivos, não indiciam nada de bom... Mais uma vez, não é tanto a “energia” da cozinha que nos rouba a saúde e a boa forma, mas – como é evidente – esta divisão espelha bem o nosso investimento e compromisso com uma área fundamental da vida. Uma mudança exterior pode ser o primeiro passo para uma mudança interior, e uma cozinha bem cuidada e abastecida torna muito mais fácil o início de uma nova forma de relacionamento com a nossa saúde.
E se forem daquelas pessoas muito organizadas, cuja casa nunca precisa verdadeiramente de uma campanha de limpezas a sério? Bem, podem sempre usar essa vantagem para sentar e relaxar – e talvez seja exactamente isso que a vida vos pede que façam finalmente – ou então podem mudar alguma coisa em cada quarto, ou até a decoração toda… afinal, a vida é mudança constante.
É certo que no Oriente tudo isto é conhecido há muito – mas, com ou sem cursos de Feng Shui, tudo o que precisamos é de uma boa dose de sensibilidade e bom senso, como diria Jane Austen.

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