sexta-feira, 9 de março de 2012

Tenho fases, como a lua - A Lua Cheia

Ann-Julie Aubry, Melancholia
Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…*

Não é difícil compreender porque é que a Lua ocupa um lugar tão importante na história da cultura humana, sendo objecto de inúmeros mitos, lendas e crenças. O magnífico disco de prata que se levanta nos céus quando o Sol se esconde, com o seu mistério nocturno e as mutações que continuamente o animam, desperta desde tempos imemoriais tanto assombro e deslumbramento quanto o próprio astro-rei. Feminino por natureza, é assim possível dizê-lo, porque é feminina a sua perfeita forma redonda (enquanto o Sol é mais luz do que forma), feminina a sua cor argêntea e fria, femininas as suas alterações mensais, feminina a doçura da sua luz, feminino o berço ou a barca do crescente, feminino o jogo da ocultação e a fuga encenada à flamejante estrela do dia. Senhora das marés, rege naturalmente toda a água em nós, e particularmente as águas do feminino: as límpidas águas uterinas, que rebentam sob a influência reveladora e magnética da Lua Cheia, e as rubras águas menstruais, cíclicas como as ondas. Associada aos domínios enigmáticos do inconsciente, e até das suas pulsões mais irracionais, a sua luz pálida despertaria o lunático, o aluado, o lobisomem (o lobo dentro de cada homem) e os terramotos e erupções vulcânicas, dentro e fora de nós, provocando também ataques epilépticos e crises histéricas.
Seja no domínio da Ciência, no da Astrologia, ou do Esoterismo em geral, todos estão de acordo que a Lua influencia a Terra e a vida que nela existe. Sucedem-se os estudos que demonstram não existir, ou ser mínima, a influência da Lua Cheia no aumento de partos, de crime violento, de suicídios ou de crises psiquiátricas, mas muitos dos que trabalham num hospital, numa maternidade ou numa esquadra de polícia garantem que nos dias mais caóticos é quase sempre certa a associação a esta fase lunar. Seja esta uma avaliação objectiva ou subjectiva (e quando falamos da Lua o subjectivo ganha valor acrescentado), o facto é que sentimos o mundo à nossa volta, ou mesmo dentro de nós, afectado pelas luas.
As marés são causadas por nada mais do que a atracção gravitacional do Sol e da Lua, mas principalmente desta última, pois embora a sua massa seja muito menor que a do Sol ela está muito mais próxima da Terra. O corpo humano é constituído por cerca de 75% de água, e esta água, ainda que não possa demonstrar as dramáticas alterações em grande escala que são as marés oceânicas, há-de participar deste movimento na sua escala pessoal: o efeito da gravidade diminui com a distância e as massas envolvidas, mas nunca desaparece. E, sendo que as marés se sucedem duas vezes por dia, não seria de espantar que uma tal alteração de equilíbrio – porque é disso que se trata – nos afectasse também duas vezes por dia. Mas a sensação depende, evidentemente, da precisão do mecanismo que a capta, e algumas de nós são sem dúvida mais sensíveis do que outras, especialmente diante de uma Lua Cheia.
A propósito da sensitividade, não deixa de ser curioso verificar que um dos estudos científicos que provou uma correlação entre a Lua Cheia e a vida na Terra respeita aos animais: aparentemente, este sofrem mais acidentes e envolvem-se em mais situações de risco nestas noites, exigindo cuidados veterinários em percentagens que variam entre cerca de 25%-30% mais elevadas do que no resto do mês, e agredindo mais vezes os seres humanos. Teremos nós perdido uma sensibilidade aos efeitos das lunações que os animais conservam? Não seria de espantar, uma vez que as pessoas com alterações psicológicas, mesmo as mais ligeiras, costumam estar pesadamente medicadas, e as mulheres grávidas cada vez fazem mais cesarianas e partos induzidos, não estando portanto disponíveis para a influência da Lua.
Para aquelas (e aqueles) para quem os estudos científicos, por mais importantes que sejam, não resolvem o problema pessoal da sua sensibilidade à Lua, será interessante saberem que os psíquicos consideram a existência de algo a que poderíamos chamar sensitividade lunar, cujo pico é precisamente a Lua Cheia. Para além dos sensitivos, as crianças serão particularmente susceptíveis a esta influência, podendo manifestar mais instabilidade, mudanças de humor ou agressividade. Para todos os afectados, os “sintomas”, de forma geral, são sempre os mesmos: alterações de humor ou de energia, por vezes drásticas, maior sensibilidade psíquica (sonhos abundantes, vívidos e perturbadores, premonições, etc.) e grande sensibilidade emocional, ligeira depressão, sentimentos de solidão, abandono e medo, muitas vezes irracionais e injustificados, mas ainda assim persistentes. Os dias imediatamente anteriores a uma Lua Cheia, bem como o seu auge, podem trazer um ligeiro mal-estar e falta de clareza, ou até chegar a equivaler à travessia de um pequeno inferno pessoal. Ao contrário, mas pelas mesmas razões, outras pessoas sentirão uma onda de energia que exige expressar-se, sendo mesmo possível dizer que a Lua Cheia amplifica tudo o que transportamos em nós no momento, seja positivo ou negativo…
Fisicamente, o corpo é simbolicamente puxado a um limite. Embora fosse natural imaginar que esta é a altura certa para se sentir inchaço, retenção de líquidos ou ganho de peso, a verdade é que na Lua Cheia a pressão atmosférica é maior, e é mais provável que nos sintamos “comprimidas”, como se a água no nosso corpo ficasse mais espessa, causando dores no corpo, dores de cabeça, stress e sensação de opressão, enquanto que na Lua Nova os líquidos sujeitos à pressão mínima podem enfim expandir-se.

O que nos pede, então, esta bela mas por vezes difícil fase da lua?

Acima de tudo, a Lua Cheia traz à superfície e exibe diante da consciência tudo o que estava oculto. Logo, uma das razões do nosso mal-estar poderá ser o facto de estarmos a lidar com ideias, fantasias e especialmente emoções inconscientes ou reprimidas, que lutam para serem reconhecidas e libertadas. Esta libertação é fundamental, porque a Lua Cheia exige justamente que deixemos partir o que já não tem lugar dentro de nós, da mesma forma (e por vezes com a mesma dor) que um parto ou uma erupção vulcânica.
Mas o segredo para sobreviver à sensitividade lunar é seguramente deixar-se guiar por ela, obedecendo aos ensinamentos dos seus ciclos.
Ter uma boa noção de como a Lua nos afecta pode ser precioso nos momentos mais difíceis. Manter um “diário da Lua” significa que podemos comparar as nossas reacções ao longo dos meses conforme as fases lunares, e desdramatizar assim os períodos mais confusos e emotivos. Sabendo de antemão que fase pessoal nos aguarda, podemos também tentar planear os dias conforme as nossas necessidades de repouso, acção, companhia ou solidão.  
É sensato aprender a trabalhar com a sensitividade que possuímos, em vez de o fazer contra ela (ou fugindo dela). Possuir um mecanismo interno mais sensível à recepção da informação do exterior é em si algo maravilhoso, e os problemas só surgem quando não sabemos como lidar com esta informação. Acima de tudo, cultivemo-nos como à própria terra: na Primavera planta-se, no Outono colhe-se; no quarto minguante ou na Lua Nova semeiam-se raízes (diz o povo que nesta fase da Lua “as coisas que crescem para fora minguam, e as coisas que crescem para dentro vigoram”), no quarto crescente poda-se, na Lua Cheia colhem-se os frutos. Como na passagem bíblica, trata-se de aprender a viver de acordo com os ciclos da Natureza e do Universo: para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que  se deseja debaixo do céu (Ecl. 3:1-8).
A lição da Lua é a paciência.

*Cecília Meireles, Lua Adversa