domingo, 8 de abril de 2012

A Páscoa e a Lua

Lua cheia de 6 de Abril de 2012

Sabemos que a Páscoa é uma festa móvel, mas poucas vezes pensamos na razão para esta mobilidade. Na verdade, a Páscoa é uma festa móvel porque é baseada no calendário lunar (judaico), ainda que adaptada ao calendário gregoriano.
Os povos nómadas e de economia pastoril desenvolveram calendários de base lunar, por oposição aos povos sedentários e praticantes da agricultura, que geralmente adoptavam calendários solares. O povo judeu, nómada até à fuga do Egipto e à conquista da “terra prometida” de Canãa, utiliza até aos dias de hoje um calendário lunar, a partir do qual é anualmente determinada a data da Páscoa judaica, a Pesach ou Passagem. A Pesach principia no mês judeu de Nisan ou Nissan, que recai entre os meses de Março e Abril do calendário gregoriano. O mês de Nisan começa[1] na noite em que a Lua Nova dá lugar ao primeiro vislumbre do Quarto Crescente, celebrando-se a Páscoa duas semanas depois, com a primeira Lua Cheia depois do Equinócio da primavera. Para garantir que esta festividade nunca seria anterior à Lua Cheia equinocial, acrescentava-se um décimo terceiro “mês” ao ano no qual o Equinócio antecedesse esta fase lunar, de forma a atrasar o início de Nisan. Uma vez que este mês marca o início da época das colheitas em Israel, esta determinação estava ligada à observação dos grãos da cevada; Nisan é o mês no qual a cevada está madura.
Para além da festividade agrícola, hoje quase esquecida, a Pesach celebra a libertação do povo judeu da escravidão no Egipto, nomeadamente o momento em que Deus “passou” pelas casas dos judeus sem lhes fazer qualquer mal, enquanto matava o filho primogénito de cada família egípcia. Para recordar este momento, é ainda hoje imolado por cada família judaica um cordeiro pascal que simboliza o filho salvo.
É distinto o significado da Páscoa cristã, embora esta seja determinada a partir da festa judaica. A Páscoa cristã celebra a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, crucificado enquanto os judeus preparavam  a festa da Pesach. Cristo, o filho primogénito de Deus, torna-se o cordeiro imolado para libertar o povo do pecado, e a data da Páscoa representa o encontro entre a Antiga Lei (o Antigo Testamento) e a Nova Lei trazida por Cristo (O Novo Testamento). No entanto, a tradição cristã fixou a Páscoa no primeiro domingo posterior à Lua Cheia equinocial ou Páscoa judaica, dia no qual Cristo terá ressuscitado. Fica assim adaptada a antiga tradição de base lunar para um sistema mais concordante com a simbólica cristológica: o domingo é o Dia do Senhor (Dies Domini) ou o Dia do Sol, assim nomeado no célebre Édito do Imperador Constantino que oficializou a prática da observação do Domingo já em vigor entre os cristãos primitivos: que todos os juízes, e todos os habitantes da cidade, e todos os mercadores e artífices, descansem no venerável dia do Sol...
Desta forma, quer celebremos a Páscoa judaica (este ano na Lua Cheia de 6 de Abril, a sexta-feira santa cristã), quer celebremos a Páscoa cristã, ou a nenhuma destas, podemos ainda celebrar dentro de nós a Lua Cheia equinocial de 6 de Abril, que inaugura verdadeiramente um novo ano. Este fim de semana, terminando no Domingo de Páscoa de 8 de Abril, é o princípio de um ciclo que começa de forma um pouco tensa, e que veremos terminar com a Lua Cheia de 25 de Abril de 2013 - curiosamente, dia de eclipse lunar, que muitos acreditam ser a configuração precisa do momento no qual Cristo morreu na cruz, quando as trevas cobriram toda a região (Lc 23:44)[2]. Este início (e este final anunciado) parecem fazer prever um ano difícil, mas seguramente muito importante. Assim o saibamos honrar em cada momento, para o melhor e para o pior, porque afinal a vida é uma série de mudanças espontâneas e naturais, e resistir-lhes só poderá criar dor (Lao-Tze). Boa Páscoa, e Bom Ano Novo!



[1] Assim começam todos os meses no calendário judaico, terminando na noite da Lua Nova seguinte. Por curiosidade, o calendário islâmico segue exactamente o mesmo preceito.
[2] O texto bíblico refere um eclipse diurno, solar, mas tal é impossível durante uma Lua Cheia, e portanto não poderia ter coincidido com a Páscoa judaica. Pelo contrário, os eclipses lunares ocorrem apenas durante a Lua Cheia.

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