Já
estamos há algum tempo sob a influência do iminente movimento retrógrado de
Vénus, mas o trânsito tem início efectivo hoje, dia 15 de maio. Até 27 de
junho, todo o potencial venusiano presente na Terra (tanto de forma colectiva
como individual) estará focado no passado.
O ponto alto deste trânsito de Vénus
será, sem dúvida, o seu raro desfile diante do Sol a 5 de junho, do qual
falaremos com mais detalhe noutra ocasião. A passagem de um planeta diante do
Sol causa um eclipse solar, mesmo que o planeta – como acontece com Vénus –
esteja de tal forma distante da Terra que a visão do astro-rei não chegue a ser
afectada. Um eclipse solar marca um novo princípio, e este surge sob os
auspícios de Vénus, cuja face voltada para nós estará escurecida. No que
respeita a Vénus, a “novidade” é a sua passagem a Estrela da Manhã, ou à fase
diurna do planeta, tradicionalmente considerada “masculina” e benéfica. No que
respeita a todos nós, a luz do Sol será lançada sobre o que jaz oculto nos domínios
da deusa, mostrando-o na mais rigorosa verdade.
Vénus conduz-nos na direcção de todos
os relacionamentos com o mundo exterior aos quais atribuímos um valor palpável,
físico ou material. Isto significa, para além das relações humanas, a nossa
relação com o dinheiro e os valores materiais, a nossa relação com a aparência
das coisas (aquilo que consideramos belo) e a nossa relação com tudo o que nos
traz prazer. E quando falamos de relação, falamos sempre de nós e do outro – seja ele outra pessoa, um carro,
uma casa ou uma conta bancária, a nossa imagem devolvida num espelho, ou o
prato que escolhemos num restaurante. O enfrentar deste “outro” ensina-nos
quase tudo sobre nós mesmos. Até mesmo um momento tão banal como a leitura do
menu do almoço proporciona a oportunidade de nos descobrirmos como seres
moderados, frugais ou excessivos.
Esta projecção – o “outro” como nosso espelho – é de natureza
venusiana, e o período retrógrado do planeta oferece-nos a possibilidade de rever
todos estes tipos de relacionamentos. Mas
“viver no passado” não é certamente a forma correcta de encarar um período
retrógrado. Os ensinamentos dos maiores mestres da Humanidade podem-se
geralmente resumir a uma meia dúzia de conceitos fundamentais, e um deles é o
de viver no presente. Só o presente é
real, lembrava Buda; do passado resta apenas a memória, e o futuro é mera
antecipação do que ainda não foi realizado.
Como lidar, então, com as tendências
retrógradas de Vénus, e com as situações muito concretas de retorno ao passado
que este trânsito nos pode apresentar?
Tomemos um exemplo. O retorno, sob as
mais diversas formas, de um “amor” do passado pode, se não estivermos centrados
no presente, levar-nos a reviver nostalgicamente as emoções associadas a essa
pessoa (sejam estas boas ou más), causando até o reacender de uma paixão
antiga. A mesma situação, mas desta vez vivida por alguém que está equilibrado
no momento presente, poderá resumir-se a uma observação emocionalmente
desapegada da relação passada. Será assim possível retirar dela todas as suas lições
e compreender o papel real que desempenhou na nossa vida, fortalecendo-nos para
o futuro.
Se vivemos centrados e equilibrados no
momento presente, nenhuma memória do passado ou antevisão do futuro nos pode
destabilizar. Voltar o olhar para o passado resume-se a uma calma contemplação
das situações apresentadas, sem a deturpação e a confusão causadas pelo envolvimento
emocional excessivo. Como é por vezes extremamente difícil observar de forma
objectiva uma situação na qual estamos presentemente envolvidos, a reavaliação
do passado pode ser muito útil para sistematizar aprendizagens pessoais, agora
sem o peso da emoção e do apego.
Por outro lado, a ideia de fazer uma
revisão da vida aterroriza muita gente, particularmente aqueles que sabem, no
fundo de si, que têm mudanças a fazer. Mas examinar um relacionamento não implica
o seu fim. Tudo aquilo que é importante deve ser visto com olhos novos todos os
dias, e não apenas num período retrógrado. Se esta é uma boa altura para
resolver pequenas questões pendentes, porque não fazê-lo?
Outra situação que beneficiará
certamente de uma reavaliação é a nossa relação connosco mesmos, e tudo o que
nela está implicado – amor-próprio, estabelecimento de compromissos com os
outros, capacidade ou incapacidade de sacrifício pelos outros, assertividade, necessidade
de aprovação exterior, etc. Vénus, a deusa do amor, é apenas uma faceta de
Ishtar ou Innana, a poderosa Senhora do Céu e da guerra (esta também chamada de
dança de Innana). Despertando este
arquétipo podemos aprender a ultrapassar uma falta de auto-estima ancorada em traumas
do passado, renegociando relacionamentos que nos tolhem e afirmando-nos como
indivíduos de pleno direito aqui e agora.
Ishtar, Moon Oracle, Caroline Smith / John Astrop |
Em resumo, o trânsito retrógrado de Vénus
e o eclipse solar daqui resultante terão o poder de nos dirigir o olhar para o
passado dos nossos relacionamentos, ou para os nossos relacionamentos do
passado. Este olhar, para ser verdadeiramente eficaz, deve ser tão objectivo
quanto possível, tendo em conta que as relações que mantemos e valorizamos são
o nosso espelho. A luz que iluminará este espelho, principalmente em torno do
eclipse (entre 1 e 10 de junho), ajudará a ver distintamente os padrões que
sustentamos nas nossas vidas, e a avaliar o quanto estes mesmos padrões ainda
nos são úteis.
Lembremo-nos de Innana ou Ishtar, rodeada pelos seus
leões, e encaremos com a sua determinação esta viagem aos aspectos mais frágeis
de todos os nossos relacionamentos. Sairemos daqui seguramente mais fortes.
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