terça-feira, 1 de maio de 2012

À luz das fogueiras do 1 de Maio


Beltane
Neste mundo quase dessacralizado, onde os ritmos da natureza e as suas relações com os mistérios do Espírito estão ocultos por espessas camadas de pragmatismo e racionalidade, não deixa de ser curioso que celebremos o dia 1 de maio como um dos mais importantes feriados civis do ano, ainda que sob a forma de Dia do Trabalhador.
Desde tempos imemoriais, o primeiro dia de maio corresponde ao grande Festival da Primavera do hemisfério norte, celebrado como Walpurgisnacht (noite de Walpurgis, a 30 de abril ou 1 de maio) nos países germânicos ou nórdicos, e como May Day nos países anglo-saxónicos, incluindo os Estados Unidos. As festividades, que remontam ao festival romano em honra da deusa Flora, estão também relacionadas com a celebração do Beltane (ou Beltaine, fogo brilhante) celta. Ocorrem exactamente seis meses antes da noite de Halloween ou das Bruxas, e do dia dos mortos ou de Todos-os-Santos, igualmente cultuados como a face oposta do ano.
Beltane, a festa do fogo, celebra a passagem da primavera para o estio, equivalendo às nossas fogueiras de São João, directamente ligadas ao solstício de verão.
Enquanto nos parece evidente festejar o verão em junho, a verdade é que estes antigos sistemas de contagem do tempo definiam o ano através de duas fases principais, a da luz e a da escuridão, de forma a que os solstícios de verão e inverno correspondiam não à entrada das estações, mas sim ao seu auge. O dia 1 de maio representava a entrada da fase luminosa do ano, e o solstício o seu ponto culminante, o “meio do verão” (Midsummer ou Midsommer). O equinócio de outono marcava o momento de transição da luz para as trevas, e o solstício de inverno a noite mais profunda, logo seguida do lento avanço do dia.
As celebrações do 1 de maio enfatizavam a juventude e a fertilidade, opondo-se às festas da morte (a 1 de novembro) como comemorações da sexualidade e da vida. São conhecidas as danças dos jovens casais, enfeitados com coroas de flores, em torno do fálico pau de maio, erigido sobre uma abertura circular escavada no chão, a coroação do rei e da rainha de maio, a suspensão dos votos matrimoniais e a licenciosidade da noite das fogueiras (proibida pela igreja no século XVI), e uma série de outros rituais de fertilidade, como iluminar os cumes dos montes ou saltar por cima do fogo. Tais rituais evocavam a união dos dois princípios sagrados e universais do Masculino e do Feminino, origem de toda a vida.
A Igreja Católica fez substituir estas festividades pagãs pela celebração de Maria, a quem o mês de maio passou a ser dedicado, e que herdou os atributos da rainha de maio ou do verão (chamada de Maia na Europa do norte, Flora em Roma e Kore, a Donzela, na Grécia). A dedicação de Maio à Virgem mantém, ainda que em ambiente cristianizado, a celebração da juventude e da fertilidade, e a evocação do hierosgamos, ou união sagrada, uma vez que Maria é o autêntico modelo da maternidade, tendo concebido do próprio Deus. Assim se colocam coroas de flores nas suas estátuas um pouco por todo o mundo cristão, de forma a celebrar o primeiro dia do mês de Maria.

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